Tragédia da Região Serrana deixou um legado para a cultura de prevenção de desastres no país

11/01/2021 21:49
Por Luana Motta

Na noite do dia 11 de janeiro de 2011, ainda que sem qualquer sistema informatizado de monitoramento pluviométrico, os moradores das margens dos rios Cuiabá, Santo Antônio e Carvão, no Vale do Cuiabá, sabiam que a chuva que caia ininterrupta não era comum. O monitoramento comunitário da elevação dos rios era feito com o uso de lanternas, ligações para os vizinhos e um pluviômetro caseiro, feito de garrafa pet, para monitorar o volume de chuvas. Mas isso não foi o suficiente para prever o que estava por vir. A tragédia que vitimou 917 pessoas em toda Região Serrana serviu como um marco para a criação da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) e estruturação dos órgãos de monitoramento em todo o país.

“A gente trabalhava com o monitoramento pluviométrico com os agentes de saúde. Eles ficavam com aquele pluviômetro de garrafa pet. Esse foi um instrumento que foi criado aqui em Petrópolis, pela Defesa Civil. Então a gente distribuía esses pluviômetros e as pessoas iam anotando o volume de chuvas e iam ligando pra Defesa Civil para informar. Não tinha equipamento automático igual temos hoje, como o do Inea (Instituto Nacional do Ambiente) e Cemaden (Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais). Era bem mais difícil saber onde estava chovendo e onde não estava”, lembra o engenheiro Ricardo Branco, que em 2011, era o chefe de departamento técnico operacional da Coordenadoria da Defesa Civil de Petrópolis.

Dias depois da tragédia, especialistas discutiam se houve ou não um alerta sobre a previsão dos mais de 200 milímetros de chuva que caíram naquela noite. E se ainda que as cidades fossem alertadas, se seria possível evitar tamanho estrago. Não houve uma conclusão e nem responsabilizados pela tragédia até hoje. Mas essa falta de respostas motivou a criação de órgãos de monitoramento e alguns investimentos dos Governos Federal, Estadual e Municipal na pronta resposta e prevenção de desastres.

“Antigamente não existia essa preocupação. O Corpo de Bombeiros e Defesa Civil trabalhavam mais na resposta. Não tinha essa visão de mitigar o desastre, não tinha equipamento que fizesse a previsão e o monitoramento. E outros órgãos faziam, como o Inea e o DRM (Departamento de Recursos Minerais). Então a partir da tragédia da Região Serrana, a Defesa Civil assumiu esse protagonismo de monitoramento, com emissão de alerta e uma preocupação com relação a eventos. Ter uma equipe operacional para auxiliar nos eventos, fazer uma mobilização de comunidade, entre outros. Passou a apresentar um processo diferente do que era feito antes”, explica o tenente-coronel bombeiro militar Gil Kempers, que foi o primeiro diretor do Cemaden-RJ, criado em 2011.

Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, por meio da lei nº 12.608/12, criando o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil. Ele estabeleceu a Defesa Civil como uma política pública com a participação e envolvimento dos governos federal, estadual e municípios.

“Os órgãos de Defesa Civil passaram a ser mais integrados, vimos um investimento em tecnologia por parte do governo federal. A criação dos pluviômetros automáticos e semiautomáticos e o sistema de sirenes que foi um ganho absurdo na cidade e estado do Rio de Janeiro. Hoje temos várias estações metateológicas, que na época não tinha. Tínhamos só o radar do Cindacta, que era um radar com dados brutos que não gera refinamento com informações locais. E depois disso, o inea adquiriu radares. E criamos uma rede de monitoramento com mais credibilidade”, lembra o coronel bombeiro militar Rafael Simão, que em 2011 era chefe da 3º Seção de Estado-Maior do CBAII- Serrana.

O Sistema de Alerta e Alarme através das sirenes foi implantado em Petrópolis a partir de 2013. Na época, a cidade também recebeu um investimento de mais de cem pluviômetros que funcionavam espalhados pelas comunidades. Ao longo desses 10 anos, muito se perdeu. Tanto em equipamentos, como no trabalho de cultura de prevenção que foi iniciado dentro núcleos comunitários. Apenas um resistiu, o Núcleo de Defesa Civil Comunitária do Vale do Cuiabá e Adjacentes (Nudec).

A Tragédia da Região Serrana deixou um legado importante na criação de uma cultura de prevenção e motivou ações de redução de risco de desastres, não só no estado do Rio de Janeiro, mas no país. Um legado que passa por políticas habitacionais, como o aluguel social e programas como Minha Casa Minha Vida do Governo Federal e o Programa Morar Seguro do Governo do Estado. E a aquisição de equipamentos mais refinados de monitoramento e alerta em áreas de risco. Ainda longe de ser uma solução, mas um mitigador na redução de risco de desastres e déficit habitacional no país.

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