Tragédia de 20 de março completa dois anos

20/mar 08:08
Por Wellington Daniel

A tragédia de 20 de março completa dois anos nesta quarta-feira (20). A forte chuva daquele dia foi o maior registro da história de Petrópolis em 24 horas até então, com 534,4 milímetros acumulados e deixou sete mortos. Novamente, a Rua Washington Luiz foi um dos locais mais afetados, com três vítimas, dentre elas, o professor universitário Nelson Ricardo Ferreira da Costa.

O temporal daquele dia lembrou que a cidade precisa estar preparada para os eventos climáticos extremos, pois eles sempre voltam a acontecer. Ainda assim, o que se vê são repetições de tragédias e ocupações em áreas de risco. Segundo o último Plano Municipal de Redução de Riscos, de 2017, são mais de 72 mil pessoas em área de risco.

Tragédias que se repetem

Em 1988, a Rua Casemiro de Abreu, no Centro, foi palco de um grande deslizamento, na tragédia que, até 2022, era a pior da história da cidade. Hoje, 36 anos depois, a rua já está com diversas casas novamente.

A história se repete também em tragédias mais recentes. Na última década, pedras rolaram na Rua Uruguai, no Quitandinha, e no Ingá, na Posse, e ambos os locais registraram o retorno de moradores, mesmo sem a desinterdição dos imóveis pela Defesa Civil.

“Infelizmente os bairros afetados hoje em Petrópolis, as pessoas acabam retornando. Hoje, o que falta na cidade, é a fiscalização destes imóveis interditados”, explicou a representante do movimento do Aluguel Social, Claudia Renata Ramos, que também defende a demolição de imóveis interditados.

Ela explica que também há a dificuldade de conseguir aluguel social. As famílias atingidas por chuvas antes de 2022 recebem R$ 550 da Prefeitura e R$ 500 do Estado, de forma separada. Já em 2022, houve uma parceria entre os entes, com R$ 800 do governo estadual e R$ 200 do município, somados.

“Ninguém hoje consegue em Petrópolis aluguel de casa por R$ 500. Está tudo acima de R$ 1 mil. Está muito difícil as famílias conseguirem casa para alugar. Até porque muitos donos não querem alugar para Aluguel Social. E também não querem aceitar crianças, animais, idosos”, explicou.

Segundo a Prefeitura, são cerca de 3 mil famílias no aluguel social após as chuvas de 2022. O número de benefícios já chegou a 4 mil.

Furtos preocupam

Um dos problemas que causa o retorno de moradores é a preocupação com o patrimônio. “Desde 2011 que temos este problema de invasão dos imóveis”, apontou Claudia Renata.

O bairro Vila Felipe, na região do Alto da Serra, também foi atingido por chuvas em 2001 e em fevereiro de 2022. Por lá, moradores se preocupam com diversos saques a residências. A moradora Kátia Silveira, de 63 anos, conseguiu o aluguel social, mas precisa retornar à sua antiga residência, de tempos em tempos.

“Até hoje temos que ficar indo lá consertando o que é destruído, tomando conta (se assim pode ser dito, porque não tem como tomar conta à distância). E, até hoje, existem casas de vizinhos sendo saqueadas e invadidas”, disse.

No bairro Vila Felipe, moradores denunciam saques em casas que ficaram em pé.
Foto: Arquivo pessoal.

Kátia perdeu o marido na tragédia de fevereiro de 2022. Ela diz que tem vontade de voltar a morar em sua antiga casa, mas respeita a interdição. “Além de ter sofrido a tragédia, perdido um ente da família querido, temos tido nossas casas invadidas e saqueadas”, reclamou.

Situação na Washington Luiz

Em janeiro de 2023, uma casa pegou fogo na Rua Washington Luiz. O detalhe é que ela estava interditada. Os proprietários disseram que o imóvel também sofreu invasão. O caso aconteceu, justamente, próximo à residência onde foram registradas as três vítimas fatais.

Passados dois anos daquela tragédia, a rua parece uma via deserta. São casas abandonadas, lojas vazias e alguns locais ainda com as marcas do dia 20 de março de 2022. Comerciantes reclamam de um movimento mais fraco e aluguéis caros, o que também prejudica a recuperação.

“A gente vê as lojas abandonadas, muitos pontos ainda com marcas da tragédia. Acredito que deveria ter dado uma nova cara. Não é tampar ou tentar esconder, e sim, minimizar o que aconteceu. São patrimônios que foram perdidos, vidas que foram perdidas e nada foi feito para minimizar”, disse Denise Mello, 47, que é vendedora em uma loja próximo as Duas Pontes.

O que dizem os órgãos

O governo do Estado informou que são previstos R$ 3 bilhões para ações de prevenção em 2024 para o Estado do Rio. Diz ainda que já investiu R$ 700 milhões em Petrópolis desde as chuvas e que publicou, em janeiro, o chamamento público para selecionar empresas que vão construir mais de 800 unidades habitacionais, sendo 224 em Petrópolis. Há, ainda, um outro chamamento para 70 unidades no Vale do Cuiabá.

Quanto ao aluguel social, disse que a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos está realizando um estudo para equiparar os valores pagos atualmente em todo o estado. “O Governo investe para concessão deste benefício, em média, mais de R$ 4 milhões por mês para atender aos municípios fluminenses”, diz a nota.

A Prefeitura informou que vem realizando, desde 2022, 193 obras de grande e médio porte, das quais 118 foram concluídas, sendo a maioria, obras de contenção. Citou, ainda, o Recomeço Seguro, que foi pago com atrasos e sem as multas previstas no acordo com a Defensoria Pública.

O governo municipal também prometeu 170 imóveis pelo Minha Casa, Minha Vida na Estrada da Saudade e citou avanços da Defesa Civil, como plano de resiliência individual e o Plano de Contingência.

A Polícia Militar informou que segue com policiamento reforçado e ressaltou a importância da sociedade fazer denúncias. “Os registros nas delegacias da Polícia Civil também são essenciais para que os procedimentos investigativos culminem com a identificação e prisão dos suspeitos”, diz a nota.

Já a Polícia Civil disse que atua de forma integrada com as demais forças. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), houve apenas três registros de roubo a residência na circunscrição da 105ª Delegacia de Polícia em 2022 e 2023. Também ressaltou a importância do registro policial, para auxiliar no mapeamento de localidades com maior incidência de crimes.

Em relação ao caso de Kátia, pediu para que a vítima retorne à Delegacia caso tenha mais elementos para apresentar, para que a investigação continue.

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