Tranquilo e favorável

07/03/2016 11:35

Descendo a rua Oscar Weinschenck, encontrei um grupo de adolescentes produzindo um som que mais parecia um gemido: ã!ã!ã!ã!ã!…

Aproximei-me de um deles e perguntei: “o que é isso?” – O garoto levantou o braço e cantou fazendo o sinal hang loose: 

– “Tá tranquilo, tá favorável, tá tranquilo, tá favorável” – é o funk do Mc Bin Laden.

Ao chegar a casa, coloquei no Google o nome do referido Mc, logo saltou um vídeo que está no You Tube.  Pelo preço da curiosidade, cliquei para ouvir. Paguei caro, entrei na estatística: o clipe oficial tem quase 20 milhões de “views”. Veja a letra só da primeira estrofe:        

“Nós gosta assim, nós tá suave final de semana/ Vai achando que é só o Playboy/

que vive em Copacabana/ "aí"/ Dá uma olhada no gordão, Tá tranquilo/ "Aê" dá uma olhada nas Bandida que tá com nós/ Tá favorável/ Foca mas não sufoca/ Esse é o dilema da quadrilha”.

E para aliviar a pressão dessa linguagem, leia alguns versos da canção de Cartola “As Rosas não falam”:

 “Bate outra vez/ Com esperanças o meu coração/ Pois já vai terminando o verão enfim/ Volto ao jardim/ Com a certeza que devo chorar/ Pois bem sei que não queres voltar para mim/ Queixo-me às rosas, mas que bobagem/ As rosas não falam/ Simplesmente as rosas exalam/ O perfume que roubam de ti, ai…”

O compositor Agenor de Oliveira, o mestre Cartola, nasceu no bairro do Catete, no Rio. E com 11 anos, passou a morar no morro da Mangueira. Terminou o curso primário com 15 anos de idade. Em síntese: morou em uma comunidade carente economicamente; não culturalmente, não teve uma formação em nível superior, porém desenvolveu uma sensibilidade poética rara. 

Fiz essa comparação para dissociar a ideia de que, em uma comunidade de baixa renda, há um mau gosto poético e uma linguagem que fere a norma padrão. O erro da generalização está em não abrir espaço para as exceções. E, às vezes, procurar impor rótulos e buscar desculpas para justificar determinados erros que são frutos do comodismo. O funk vem sendo apresentado como um produto cultural da “favela”, portanto não importa a pobreza da sua produção, nem o padrão linguístico. A temática fica limitada a violência, sexo, droga. E a imagem da mulher frequentemente é depreciada. São tratadas como “bandidas”, “cachorras”…

Concordei com Ferreira Gullar, quando afirmou na crônica “Ler e Falar”, publicada no domingo passado (28/02) em um jornal de grande circulação em São Paulo: “falar corretamente não é uma manifestação elitista e, sim, o resultado da necessidade de se expressar com coerência e clareza.” E nessa referida crônica, ele diz: “o que importa aqui é afirmar que falar e escrever corretamente não são esnobismos, mas necessidade da linguagem humana.

O jovem Jefferson Christian dos Santos Lima, que está nas paradas de sucesso com o nome artístico Mc Bin Laden, tem por trás uma produtora responsável pela divulgação de seu trabalho. Tenho que reconhecer o poder de massificação dessas produtoras, pois colocar o povo para cantar “Tá tranquilo, tá favorável” não é uma tarefa muito fácil em um período caótico como este que atravessamos, tanto no campo político como econômico. A saúde, a educação, a segurança estão em estado de calamidade pública.   

Digo que “está favorável” para se repensar a questão ética, pela banalização dos valores morais. E posso afirmar que a ostentação financeira, associando o luxo à luxuria não traz tranquilidade alguma. Ás vezes, a riqueza da aparência só mostra a pobreza da essência.


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