Transexuais e travestis lutam por direitos
Ter o gênero e o nome com o qual se identifica registrado nos documentos pessoais é natural para a maioria das pessoas, mas para as pessoas transexuais e travestis nem sempre foi assim. Somente no ano passado, foi possível incluir o nome social nos documentos de registro. Em meio a tantos desafios enfrentados diariamente, esse é um passo importante para quem durante muitos anos luta para conseguir ser reconhecido pelo gênero com o qual se identifica.
Krys Furtado de Souza Serafim exibe com orgulho a nova certidão de nascimento que conquistou na justiça, em julho do ano passado, no qual comprova o gênero feminino com o qual se identifica. Um processo que durou quase dois anos e meio, entre entrevistas com assistentes sociais, psicólogos, advogados e laudos de médicos. No dia do julgamento, Krys ainda teve que apresentar três testemunhas que confirmassem a sua identificação. Uma longa batalha para conseguir provar o seu gênero feminino.
Assim como a Krys, muitos outros transexuais e travestis batalham pela garantia de seus direitos como cidadãos. Em Petrópolis, não existe núcleo de apoio a pessoas transexuais – e o público LGBT em geral- por parte do governo municipal. Sem grupos de apoio aqui, para dar entrada no processo, Krys buscou orientação e recorreu a justiça no Rio de Janeiro.
Para ela, essa batalha que venceu é apenas o primeiro passo. Apesar de não fazer parte de nenhum grupo da comunidade LGBT, ela conta que usa a visibilidade que conquistou trabalhando em projetos na cidade para ajudar a dar apoio para outros transexuais. "A minha luta, tudo que eu faço, sempre gosto de dividir com as pessoas, porque eu acho que é uma forma que eu tenho de contribuir com a sociedade. Eu fui candidata a vereadora em 2016, pelo PSB, e passei a ser líder comunitária. Comecei a trabalhar com o Corpo de Bombeiros, participei de simpósios, congressos, e comecei a aprender mais sobre as leis. Para me defender e para orientar outras pessoas", disse.
As dificuldades enfrentadas por esse público começam muito antes da emissão dos documentos. O Tai Canedo iniciou o tratamento de terapia hormonal no fim do ano passado, no Rio de Janeiro. Ele conta que na cidade não encontrou profissional que o ajudasse na transição, e que além da ajuda profissional foi importante conhecer pessoas que também passaram pelo mesmo processo.
"Apesar de hoje ter mais informação através da internet, o contato pessoal conta muito. Por mais que a gente diga que cada um tem uma história, quando há esse contato e essa troca de experiências ajuda muito na transição. Não é fácil, você tem que estar preparado, mas com o apoio da minha família e da minha esposa, tem sido muito importante nesse processo", contou Tai.
A psicologa Leidiane Luiza da Silva, trabalha há 4 anos com o público transexual,em um consultório na Tijuca, no Rio de Janeiro. Para ela, o acolhimento familiar é fundamental. "A principal dificuldade das pessoas trans é encontrar um profissional esclarecido. Muitos estão perdidos, não tem orientação sobre a saúde, sobre os direitos legais. Nos hospitais poucos profissionais tem pouca informação. Eles se sentem sozinhos, e com o abandono familiar ficam ainda mais perdidos", destacou.
A falta de programas de inclusão, e capacitação de profissionais nas áreas públicas, como saúde e educação, muitas vezes contribui para o atraso no acesso a diretos básicos dos transexuais e travestis. "É imprescindível o acompanhamento profissional. Já tive pacientes que chegaram no consultório tomando hormônios por conta própria, colocando o próprio corpo em risco. Além dos problemas que causam no corpo existe a questão psicológica da inconformidade com o corpo que precisa ser trabalha. A saúde do público trans é deixada de lado, eles são uma minoria dentro de uma minoria", disse Leidiane.
Para a especialista a falta de informação o desconhecimento do público geral é um fator que contribui com a discriminação. "Muita gente tem dificuldades para entender que a identidade de gênero nada tem a ver coma identidade sexual. A identidade de gênero não é um transtorno mental, mas as dificuldades e problemas que essas pessoas enfrentam por causa da discriminação podem acabar gerando esses transtornos", destacou.
Os desafios no mercado de trabalho
Tai trabalha há três anos como operador de reparo em uma multinacional na cidade. E conta que desde que iniciou o processo de transição recebeu total acolhimento no ambiente de trabalho. "Acho que o respeito que conquistei na empresa se deve, principalmente, a forma como eu me porto. Eu poderia hoje me assumir transgênero e poderiam acontecer diversas situações dentro da empresa que me fariam perder o respeito. E isso é uma coisa que eu trabalho muito. Sou um bom profissional, e gosto do que eu faço. E receber esse feedback positivo da empresa tem sido muito importante pra mim", disse.
O administrador Marco Antônio Damasceno realiza pesquisas sobre a inserção de pessoas transgênero no mercado de trabalho. Segundo ele, as pessoas que conseguem uma colocação no mercado de trabalho formal, infelizmente, ainda são exceção. "Existem alguns fatores que dificultam a entrada do transexual e do travesti no mercado formal de trabalho. Eles vivem em um contexto de estigmatização, vivem em uma cultura machista e enfrentam a discriminação estética. Além da baixa escolaridade, que também é fruto da discriminação, porque muitos abandonam os estudos por sofrerem preconceito nas salas de aula", explicou.
Para que esse quadro se reverta, Marco destaca que é necessário que os empresários assumam suas responsabilidades, promovam debates, disseminem o conhecimento e implementem programas voltados para a promoção da equidade de gênero dentro das empresas.
Krys é cabeleireira e implantista, atualmente não exerce a profissão porque cuida da mãe que está com problemas de saúde,mas para ela a participação do poder público é fundamental para melhorar o acesso de pessoas transgênero nas empresas. "Mesmo sem um núcleo sério, o poder público poderia criar programas em parceria com as empresas, para que essas pessoas tivessem vagas garantidas no mercado. É uma maneira de incluir essas pessoas, dar dignidade, cidadania e mostrar que se importam", destacou a cabeleireira.