Tunísia cancela eleições e persegue opositores

01/04/2022 17:43
Por Redação, O Estado de S. Paulo / Estadão

A polícia antiterrorista da Tunísia convocou a principal figura da oposição do país para interrogatório nesta sexta-feira, 1º, enquanto uma crise política se aprofunda após a decisão do presidente Kais Saied de dissolver o Parlamento e impor o regime de um homem só.

Rached Ghannouchi, chefe do partido islâmico Ennahda e presidente do Parlamento dissolvido, foi intimado e compareceu à sede da polícia nesta sexta-feira, disse seu gabinete, depois que investigações foram abertas sobre outros membros da Câmara que desafiaram Saied.

O presidente exigiu que as investigações fossem abertas depois que os membros do Parlamento realizaram uma sessão online na quarta-feira, 30, e votaram pela revogação de todas as medidas de emergência que ele impôs – apesar de seu decreto, no ano passado, de suspender a Câmara.

Saied acusou aqueles que participaram da sessão, juntamente com Ghannouchi, cujo gabinete havia anunciado a medida, de conspirar contra a segurança do Estado e ordenou que o Departamento de Justiça abrisse um processo legal contra eles.

No mês passado, Saied assumiu o controle do Judiciário, substituindo um conselho superior cuja função era garantir a independência do poder, por juízes que ele mesmo selecionou.

Os movimentos de Saied aumentam a perspectiva de uma repressão à oposição, à medida que os principais atores da Tunísia se tornam mais ativos no esforço de tentar barrar suas tentativas de refazer o sistema político no que eles chamam de golpe. “É um ponto de virada para atingir seus oponentes”, disse a vice-presidente do Parlamento, Samira Chouachi.

Saied defendeu a tomada dos poderes no ano passado como necessário para salvar a Tunísia de uma elite corrupta e egoísta que ele descreve como responsável por anos de paralisia política e estagnação econômica.

Sem eleições

Ele também prometeu defender os direitos e liberdades conquistados em uma revolução de 2011 que trouxe a democracia — o país é considerado o berço das revoltas populares no mundo muçulmano que ficaram conhecidas como Primavera Árabe — , e até agora houve poucas prisões ou tentativas de silenciar os críticos.

No entanto, na noite de quinta-feira, 31, Saied disse que ainda não convocaria novas eleições parlamentares, apesar de dissolver a Câmara, e protestou contra aqueles que participaram na sessão de quarta-feira.

“Não haverá diálogo com aqueles que tentaram um golpe e buscam dividir os tunisianos”, disse ele, sugerindo que aqueles que se opõem a seus movimentos podem não ser autorizados a concorrer em eleições futuras.

Oposição

O Ennahda e o Partido Constitucional Livre, que lidera as pesquisas de opinião, disseram que se oporão aos planos de Saied de um referendo sobre uma nova Constituição que ele planeja apresentar.

Os partidos são inimigos ideológicos declarados e, embora não haja sinais de que possam trabalhar juntos contra Saied, a oposição mais ativa às suas medidas sugere que a crise está se intensificando. “Saied, que usurpou o poder, deve acabar imediatamente com as medidas excepcionais”, disse o líder do Partido Constitucional Livre, Abir Moussi.

A oposição mais forte a Saied desde o meio do ano passado veio do Ennahda, que tem sido um ator principal em sucessivos governos desde a revolução.

Moussi e seu Partido Constitucional Livre criticam o passado islâmico do Ennahda e elogiam o regime autocrático do ex-ditador Zine El Abidine Ben Ali, que foi deposto em 2011 e morreu em 2019.

Os Estados Unidos, um importante doador para a Tunísia desde a revolução, expressaram preocupação com a dissolução do Parlamento por Saied e ameaças de investigar os legisladores, e pediram “um rápido retorno ao governo constitucional”.

A economia da Tunísia enfrenta uma série de problemas, incluindo rebaixamento das classificações de crédito do país e aumento dos preços dos alimentos. Tunis tem buscado assistência do Fundo Monetário Internacional (FMI) para evitar o calote em sua dívida, mas a instabilidade política prejudicou os esforços de reforma econômica.

Mas com praticamente todos os poderes em suas mãos, Saied enfrentará uma pressão adicional para melhorar a crise econômica que se aprofunda, segundo o analista político tunisiano Selim Kharrat. “O único fator que pode ameaçar o apoio popular a Saied é a condição social e econômica dos tunisianos”, disse Kharrat.

Saied está buscando financiamento internacional para evitar uma crise nas finanças públicas em meio à crescente dor econômica para os tunisianos após anos de disputas políticas.

O poderoso sindicato trabalhista UGTT, o órgão político mais poderoso do país, com mais de um milhão de membros, está considerando uma greve geral para exigir um diálogo sobre reformas políticas e econômicas. Anteriormente, havia instado Saied a dissolver o Parlamento, mas também a realizar eleições logo em seguida. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

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