Ugo di Pace fecha seu Studio 689 e coloca seu valioso acervo em leilão

07/05/2022 08:00
Por Antonio Gonçalves Filho / Estadão

A primeira peça que o colecionador Ugo di Pace comprou em sua vida ao chegar ao Brasil foi uma natureza-morta do pintor italiano Armando Balloni (1901-1969), integrante da Família Artística Paulista, grupo formado em 1937 por nomes como Bonadei, Clóvis Graciano e Volpi.

“Paguei 2 mil réis por ela”, conta o também designer, responsável por criar ambientes requintados para mansões paulistanas há mais de 60 anos. No próximo dia 17, Di Pace se despede desse mundo artístico com o qual convive desde que desembarcou no País, em 1948.

Nesse dia começa o leilão de seu acervo, comandado pelo leiloeiro Luiz Aranha. Antes, a partir deste sábado, 7, mais de duas centenas das obras que fazem parte do leilão estarão expostas ao público, entre telas de Utrillo e Vlaminck (preços em torno de US$ 200 mil), esculturas em mármore do século 18, pinturas do século 17, tapetes persas, móveis italianos e até uma gigantesca luminária do alemão Ingo Maurer (1932-2019), a Golden Ribbon, de alumínio banhado a ouro, que pertenceu ao banqueiro Edemar Cid Ferreira.

A peça de Maurer (avaliada em mais de R$ 5 milhões) não é a única que passou pelas mãos de outros colecionadores. Para citar outro exemplo, um busto em mármore que representa um nobre romano (lance inicial de R$ 25 mil) era do colecionador Adolpho Bloch.

E também uma imagem mineira de Santo Antonio do século 18 (lance inicial de R$ 60 mil), que pertenceu ao casal Lina e Pietro Maria Bardi, primeiro diretor do Masp e grande amigo de Ugo. Tanto que costumava emprestar obras do museu para decorar a vitrine que existia logo à entrada da casa noturna Gallery, que Di Pace capitaneou ao lado de amigos (José Victor Oliva, Giancarlo Bolla) nos anos 1980, ponto badalado de São Paulo na época.

Ugo conheceu Pietro Bardi em Roma. “Ele chegou a São Paulo em 1947, eu desembarquei um ano depois”, lembra. “Ficamos sócios numa galeria que existiu no centro da cidade e durou seis anos, durante os quais exibimos telas de Modigliani e Picasso”, conta o designer, que chegou a manter escritórios de arte fora do Brasil (Nova York, Miami, Nápoles). Agora, aos 95 anos, por motivo de saúde, vai fechar o seu Studio 689 da Gabriel Monteiro da Silva e alugar o espaço.

Resolveu leiloar o acervo de seu escritório, separando-se de obras com as quais convive há décadas, entre as quais telas do amigo Vittorio Gobbis (1894-1968), companheiro de tempos difíceis no Rio dos anos 1940, quando os dois lutavam para sobreviver.

Gobbis e o pintor Paulo Rossi Osir (1890-1959) têm obras (que, inclusive, participaram de bienais) com lances iniciais modestos para a importância desses artistas apoiados por Mário de Andrade (algo em torno de R$ 16 mil) e resgatados do limbo numa exposição organizada no ano passado pelo designer, um dos poucos no mundo a ter sua obra publicada pela editora Rizzoli italiana (24 mil exemplares vendidos, um recorde para edições de luxo como essa).

OBRAS RARAS. Sentado diante de uma impecável papeleira inglesa de mogno de 1850 (lance inicial de R$ 30 mil), Di Pace rememora os tempos em que garimpava obras raras para decorar suntuosas casas da alta sociedade paulistana, entre elas peças que estão em coleções importantes (a do advogado Hamilton Dias de Souza, entre outras).

“Nunca fiz um projeto de decoração sem obras de arte, exigência minha aos clientes.” Na própria coleção de Di Pace, que tem mais de 900 peças, entre fragmentos de estátuas romanas do século 2.º e obras contemporâneas (até uma escultura de Véio), destaca-se uma natureza-morta de Abraham Brueghel (1631-1697), pintor flamengo com forte presença na pintura italiana do século 17 (lance mínimo de R$ 120 mil).

A tela de Brueghel, uma natureza-morta, é o lote 82 do primeiro dia do leilão, que terá, no segundo, no dia 18, obras igualmente importantes: uma Deposição de Cristo de Andrea Andreani (1541-1623), pioneiro na técnica do chiaroscuro na Itália, um altar criado por Mestre Valentim, obras de Guignard e Cícero Dias, uma mesa de Sérgio Rodrigues e até uma chaise-longue de Eric Dieckmann (1806-1944), um dos mais destacados mestres do mobiliário da Bauhaus ao lado de Marcel Breuer.

Fazendo a ponte entre a Antiguidade e a Modernidade, o próprio Di Pace oferece ao público uma bela mesa com mais de dois metros de comprimento de sua conhecida série Metamorfose, que usa como suporte um raro par de fragmentos góticos venezianos em mármore e um tampo de vidro. O que é belo, prova, resiste ao tempo. Deixa de ser moderno para ser eterno.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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