Um livro imperdível conta nossa real história

24/ago 08:00
Por Gastão Reis

Em artigos anteriores, já tive oportunidade de chamar a atenção para o grau de distorção a que a real História brasileira foi exposta. Beira o apagão da memória nacional em detrimento de nossa autoestima. Em razão disso, escrevi meu terceiro livro, “História da Autoestima Nacional – Uma investigação sobre monarquia, república e preservação do interesse público”, cuja segunda edição, revista e ampliada com dois novos importantes anexos, deverá sair neste ano.

Na verdade, eu estou falando de um outro livro intitulado “Revivendo o Brasil-Império – No Bicentenário da Independência”, de autoria de Leopoldo Bibiano Xavier, e lançado pela Petrus Editora Ltda., telefone (11) 3331- 4522 ou e-mail: atendimento@livrariapetrus.com.br. Trata-se de uma obra bem documentada, que nos revela muita coisa que desconhecemos sobre nós mesmos e nos ajuda, com base em fatos concretos, a reconstruir nossa autoestima em relação à colonização portuguesa tão vilipendiada.

Na nova edição do meu livro “História da Autoestima Nacional”, o Anexo II tem como título “Os Equívocos da Historiografia Tradicional e as Novas Pesquisas”, onde cito a investigação dos Profs. Edmar L. Bacha, Guilherme A. Tombolo e Flavio R. Versiani, que desmonta a historiografia econômica consolidada quando afirma que o PIB real per capita brasileiro estagnou no século XIX, ou que cresceu muito devagar no período monárquico (1822-1889). Na verdade, esta nova pesquisa nos informa que a visão corrente se recente de métodos inadequados e evidência estatística insuficiente. De fato, o crescimento da renda real per capita, de 1820 a 1900, cresceu cerca de 0,9% ao ano, desempenho semelhante ao da Europa Ocidental e de outros países latino-americanos no período. Ou seja, acompanhou o mundo de então.

É claro que tal conclusão causa um terremoto nessa visão de nosso crescimento pífio e, ainda, recoloca a questão da colonização portuguesa em bases positivas. O que aconteceu após 1889, com o golpe militar e o desmonte do arcabouço político-institucional vigente, que permitia controlar os desman-dos do andar de cima, é onde devemos buscar nossa defasagem histórica.

Mas é hora de ilustrar, com exemplos palpáveis, o clima que moldou o nosso Segundo Reinado. Um ponto marcante é que o Palácio onde residia o Imperador estava sempre aberto a todos, aos sábados, de duas às cinco da tarde. Bastava a quem quisesse falar com D. Pedro II declinar o nome num grande livro e penetrar nas salas abertas a todos. Qualquer pessoa, bem ou mal vestida, branco ou preto escravo, podia se dirigir ao monarca.         

Na questão da maioridade aos 15 anos incompletos, surgiu uma quadrinha muito popular de apoio, que dizia: “Queremos Pedro II/Embora não tenha idade./A nação dispensa a Lei,/E viva a maioridade!”. Mas não foi bem isso, pois não dispensou a Lei Maior, que são as vontades envolvidas: D. Pedro II queria, a Câmara e o Senado também, a imprensa e a população como um todo também aprovava a maioridade. Momento grandioso que nos trouxe paz.

Outra característica marcante do Império foi a liberdade de imprensa. A tão decantada ausência de qualquer tipo de censura da Carta de 1988 já estava presente na Constituição Imperial de 1824, aquela que mais durou. Melhor ainda: dava ao cidadão o direito de questionar por escrito qualquer deslize dos dirigentes, exigindo providências do poder constituído. Havia mesmo um policiamento mútuo entre as autoridades. Pedro II, diante de calúnias contra a Princesa Isabel, perguntou ao ministro da Justiça se poderia fazer alguma coisa contra o jornal. Ouviu dele que não, pois a constituição garantia a liberdade de imprensa. Pouco depois, o atingido foi o próprio ministro que foi a D. Pedro II querendo saber se poderia empastelar o jornal. O imperador relembrou-lhe a mesma cláusula constitucional que o mesmíssimo ministro usou para lhe dizer não.  

Num banquete, em 1877, na Inglaterra, Gladstone, um dos mais célebres estadistas ingleses, resolveu fazer um segundo brinde a D. Pedro II quando só era permitido um único de lealdade à rainha. Os jornais resumiram no dia seguinte as palavras dele: “Esse homem (…) é um modelo para todos os soberanos do mundo, pela sua dedicação e esforços em bem cumprir seus altos deveres. É um homem de notável distinção, possuidor de raras qualidades, entre as quais uma perseverança e uma capacidade de trabalho hercúlea. Muitas vezes começa seu dia às quatro da manhã, para terminá-lo tarde da noite. (…) Pelo seu procedimento, no alto cargo que ocupa, é um exemplo e uma bênção para sua raça.” Era, portanto, respeitado internacionalmente. Nada parecido com o que vemos hoje.

Na votação da Lei do Ventre Livre, em 28 de setembro de 1871, as galerias estavam repletas. A sessão era presidida pelo Visconde de Abaeté. Após a votação que deu vitória ao Visconde do Rio Branco, presidente do gabinete (hoje Primeiro-Ministro), que era conservador, o povo lançou-lhe sobre a cabeça braçadas de flores. O jornalista americano, James R. Partridge, presente ao ato, colheu algumas flores, e declarou: “Vou mandar estas flores ao meu país, para mostrar como aqui se fez, deste modo, uma lei que lá custou tanto sangue”. Bons tempos em que dávamos o exemplo.  

No mesmo livro em tela, merece ser citado o final da página 84 sobre Pedro II, onde reproduz o que Lídia Besouchet, em seu livro “Exílio e Morte do Imperador, escreveu: “Rodeia-se de gente erudita, sem distinção de cor ou de fortuna. Auxilia os artistas em suas realizações. Estimula, com dinheiro, os estudos de Pedro Américo, Gonçalves Dias e Carlos Gomes, na Europa”.        

Digno de nota foi a preocupação de D. Pedro II com o ensino básico na cidade do Rio de Janeiro, a cargo do governo central do Império, que tanto beneficiou à população livre de origem africana. “O historiador Max Fleiuss fornece os seguintes dados: “Em 1844, havia no Rio de Janeiro apenas 16 escolas públicas e 34 colégios particulares. Em 1860, as escola  públicas já  somavam  3.516, com mais de 115.000 alunos. Em 1889, são 300.000 alunos frequentando 7.500 escolas”. Mais: os professores ganhavam o triplo do que ganham hoje em termos reais.  

O livro é simplesmente imperdível.

**Sobre o autor: Gastão Reis é economista, palestrante e escritor

Últimas