Um novo romance
Meu amigo Pedro Martins ouviu o som de frené- ticas palmas no jardim de sua casa. Preocupou-se. Ainda não eram seis da matina. Olhou pelas frestas da janela da saleta de entrada e não reconheceu o importuno. Pela maneira que estava vestido lhe pareceu um mendigo. E se fosse alguém para lhe pedir esmolas seria um despropósito em face do horário.
O primeiro pensamento foi o de não atender. Porém, a curiosidade e o desejo de soltar uns impropérios acabou por fazê-lo resolver conferir do que se tratava. Mas antes de abrir a porta, foi jogar água na cara para despertar de vez. Colocou na caneca de alumínio, três dedos do café que acabara de passar, deu um grande gole, acendeu o primeiro cigarro do dia e tragou com sofreguidão. Ao ouvir novamente as palmas resolveu chegar ao portão.
– Quem é e o que deseja a essas horas da madrugada?
– Ainda não sou ninguém, meu senhor, mas gostaria de ser um personagem de seu próximo romance – falou o estranho, com desembaraço.
– Quem lhe disse que sou escritor e que estou pra escrever um novo romance?
– O Zé barbeiro – respondeu com convicção. Pedro lembrou-se de ter comentado com o Zé, sobre seu desejo de escrever uma nova história. Salão de cabeleireiro é como redação de jornal, onde as notícias logo se espalham.
-E em que posso lhe ajudar?
– Não vim pedir ajuda meu senhor, vim oferecer.
– Em que você poderá me ajudar?
– Me conte um resumo da história que pretende escrever, que eu lhe ofereço os personagens com suas devidas características.
– O amigo também é escritor?
-Quem me dera… Não tenho talento para tanto, mas como já vivi bastante, correndo por esse mundo afora, conheci muita gente curiosa e que dariam ótimos personagens.
– Por exemplo?
– O Adamastor Silvério.
– O que tem ele?
– É o melhor locutor gago que existe no mundo!
– Como pode ele ser um bom locutor se é gago?
– Porque ele só gagueja quando fala. Lendo, tem uma bela dicção!
– Isso é realmente de admirar. Caso raro!.
– Padre Dimas, um santo homem…
– O que tem ele?
– É quem mais procria lá em Grota Funda, Tem um monte de filhos espalhados pela cidade. Se colocar um nome fictício na fera, se tornará outro personagem raro. Tem também a Beatriz, mulher do prefeito, bela cabocla!
– Fogosa como quê e ardida como pimenta malagueta! Penso que o único homem que não tira proveito de seu fogo, é o próprio marido. E temos também por lá, um novo Garrincha. Se aparecer um olheiro pela cidade, leva logo ele pra jogar futebol em clube grande do Rio ou de São Paulo.
-Tem também as pernas tortas que nem Garrincha?
– Não, mas tem uma perna mais curta do que a outra. Mas dribla muito e na corrida, mesmo mancando, ninguém consegue alcançá-lo.
– Pois entre aí, meu camarada. Venha tomar um café comigo. Com esses personagens começo a escrever um novo romance hoje mesmo.