Um novo romance

31/05/2018 12:00

Meu amigo Pedro Martins ouviu o som de frené- ticas palmas no jardim de sua casa. Preocupou-se. Ainda não eram seis da matina. Olhou pelas frestas da janela da saleta de entrada e não reconheceu o importuno. Pela maneira que estava vestido lhe pareceu um mendigo. E se fosse alguém para lhe pedir esmolas seria um despropósito em face do horário. 

O primeiro pensamento foi o de não atender. Porém, a curiosidade e o desejo de soltar uns impropérios acabou por fazê-lo resolver conferir do que se tratava. Mas antes de abrir a porta, foi jogar água na cara para despertar de vez. Colocou na caneca de alumínio, três dedos do café que acabara de passar, deu um grande gole, acendeu o primeiro cigarro do dia e tragou com sofreguidão. Ao ouvir novamente as palmas resolveu chegar ao portão.

– Quem é e o que deseja a essas horas da madrugada?

– Ainda não sou ninguém, meu senhor, mas gostaria de ser um personagem de seu próximo romance – falou o estranho, com desembaraço. 

– Quem lhe disse que sou escritor e que estou pra escrever um novo romance? 

– O Zé barbeiro – respondeu com convicção. Pedro lembrou-se de ter comentado com o Zé, sobre seu desejo de escrever uma nova história. Salão de cabeleireiro é como redação de jornal, onde as notícias logo se espalham. 

-E em que posso lhe ajudar? 

– Não vim pedir ajuda meu senhor, vim oferecer. 

– Em que você poderá me ajudar? 

– Me conte um resumo da história que pretende escrever, que eu lhe ofereço os personagens com suas devidas características. 

– O amigo também é escritor? 

-Quem me dera… Não tenho talento para tanto, mas como já vivi bastante, correndo por esse mundo afora, conheci muita gente curiosa e que dariam ótimos personagens.

– Por exemplo? 

– O Adamastor Silvério.

– O que tem ele? 

– É o melhor locutor gago que existe no mundo! 

– Como pode ele ser um bom locutor se é gago? 

– Porque ele só gagueja quando fala. Lendo, tem uma bela dicção! 

– Isso é realmente de admirar. Caso raro!.

– Padre Dimas, um santo homem… 

– O que tem ele? 

– É quem mais procria lá em Grota Funda, Tem um monte de filhos espalhados pela cidade. Se colocar um nome fictício na fera, se tornará outro personagem raro. Tem também a Beatriz, mulher do prefeito, bela cabocla! 

– Fogosa como quê e ardida como pimenta malagueta! Penso que o único homem que não tira proveito de seu fogo, é o próprio marido. E temos também por lá, um novo Garrincha. Se aparecer um olheiro pela cidade, leva logo ele pra jogar futebol em clube grande do Rio ou de São Paulo. 

-Tem também as pernas tortas que nem Garrincha? 

– Não, mas tem uma perna mais curta do que a outra. Mas dribla muito e na corrida, mesmo mancando, ninguém consegue alcançá-lo.

 – Pois entre aí, meu camarada. Venha tomar um café comigo. Com esses personagens começo a escrever um novo romance hoje mesmo.


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