Um século depois e Petrópolis está perto de bater o mesmo número de mortes da gripe espanhola

14/03/2021 11:06
Por Luana Motta

Há um ano, Petrópolis registrava o primeiro caso suspeito de contaminação pelo novo coronavírus. Um homem que tinha acabado de chegar de viagem da França e deu entrada no Hospital Santa Teresa, com sintomas gripais. Quase 20 dias depois, o primeiro caso é confirmado. Uma mulher de 29 anos, que tinha chegado de viagem de São Paulo, cidade onde também foi registrado o primeiro caso confirmado no Brasil, no dia 26 de fevereiro. Se passou um ano, e Petrópolis tem mais de 22 mil casos confirmados. Antes, contabilizávamos número de casos, adotando medidas para tentar frear o avanço. Hoje, contabilizamos o número de mortos, tentando evitar o colapso no sistema de saúde, enquanto esperamos o avanço da única medida eficaz até agora: a vacina.

Até sábado (13), eram 598 mortes pelo coronavírus em Petrópolis. Quase 80% são vítimas idosas com idade acima de 60 anos. Há um século, quando o mundo enfrentou a gripe espanhola, os números não eram tão diferentes assim. Petrópolis tinha uma população de aproximadamente 25 mil habitantes, grande parte de colonos. Em seis meses desde o primeiro caso de gripe espanhola confirmado, em outubro de 1918, a doença matou cerca de 648 pessoas, também em grande parte idosos. Em um levantamento feito pelo historiador Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, publicado no artigo “Contribuição à história da Saúde pública em Petrópolis – Gripe Espanhola e a questão sanitária em Petrópolis”, aponta que esse número pode ser ainda maior.

A gripe espanhola que, assim como a covid-19, afeta principalmente o sistema respiratório dizimou milhares em todo o mundo. Em Petrópolis, tiveram inúmeros casos em que, no obituário, a causa morte eram doenças aéreas, bronco-pneumonia, tuberculose, entre outras. Não muito diferente do que ocorreu nos primeiros meses de pandemia da covid-19 no ano passado. Quando, sem testes rápidos e a lentidão para o resultado do exame laboratorial PCR, muitos pacientes morreram com suspeita ou com agravo de doenças pulmonares.

Ambas doenças são democráticas não escolhem classe social, cor, gênero ou profissão. Só que mais uma vez, a desigualdade social escolheu suas vítimas: a classe mais pobre. Na gripe espanhola as classes operárias e os colonos, em maioria na região do Bingen, foram os que mais sofreram. O avanço da contaminação por influenza também dependia de medidas de higienização, desinfecção e distanciamento social. Comunidades muito pobres que não tinham o privilégio de um teletrabalho, como muitos têm hoje, foram as que contabilizaram o maior número de mortos. Fazendo um comparativo nesse um século, digamos que o chão de fábrica continuou funcionando, assim como o transporte coletivo continua aglomerado por trabalhadores que, apesar de tudo, precisam dos empregos para sobreviver.

Na pesquisa feita pelo historiador Oazinguito mostra que no período de seis meses de pico da gripe espanhola em Petrópolis – entre a primeira quinzena de outubro de 1918 até fevereiro de 1919 – medidas semelhantes ao que os municípios vêm tomando foram adotadas. Fechamento de escolas, isolamento social, abertura de um hospital de isolamento, e um posto de urgência para a prestação de socorro. Na época, faltavam insumos, medicamentos, alimentos e até mesmo lugar para o sepultar os mortos.

A Tribuna de Petrópolis, no dia 3 de outubro de 1918, fez uma publicação na primeira página alertando sobre a grave crise sanitária que se instalava no país. “Entre nós não vejo motivos para receios tão grandes… mas nem por isso devemos ser menos cautelosos… – Devemos não descurar o problema da higiene pessoal e domiciliar. Isso é importantíssimo. Nós vemos que a maioria dos casos fatais se têm dado em lugares poucos limpos e onde é grande a aglomeração de pessoas…” A fala é do médico, bacteriologista e sanitarista, Cardoso Fontes, um dos responsável pela adoção de medidas de combate a pandemia da gripe espanhola e pela aprovação do Código Sanitário Municipal.

Um século depois, no dia 01 de março de 2020, na primeira página daquele domingo, a Tribuna de Petrópolis noticiava o primeiro paciente que deu entrada no HST com suspeita de contaminação pelo novo vírus. Ainda havia muita incerteza sobre o que estava por vir. É difícil fazer uma comparação entre as duas pandemias, muitos aspectos semelhantes: a velocidade da contaminação, as medidas para tentar frear a doença e o número de mortes. No entanto, a gripe espanhola foi muito mais agressiva em termos de contaminação e mortes por número de habitantes. Em cerca de seis meses, segundo o levantamento feito pelo historiador junto aos atestados de óbito do Arquivo Histórico Municipal, foram 760 mortes em uma média de 25 mil habitantes. Entre 2020 e 2021, com a média de 306 mil habitantes, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 598 mortes até o momento.

Nesse último ano, as medidas de restrição foram adotadas, a cidade chegou perto de um lockdown e os números de contaminação e mortes por covid-19, chegaram a parecer controlados perto de outros municípios no país. Mas a lição dada há um século, foi esquecida. As flexibilizações vem sendo afrouxadas, grande parte da população se adaptou ao “novo normal”, com pouca ou nenhuma medida de prevenção. Os números voltaram a subir, e um ano depois do primeiro caso, já com o início da vacinação, batemos o recorde de mortes no país.

Nas páginas da Tribuna, em janeiro de 1919, já apontava sintomas de “normalidade”. No texto do historiador ressalta: “E os óbitos de janeiro publicados de forma vitoriosa nas primeiras páginas, a confirmar falecimentos por moléstias transmissíveis 20, e por não transmissíveis 32. Era a calmaria”. Em 2021, a vacinação avança lentamente, a espera pela única medida eficaz contra a doença e a população segue à espera da nova calmaria.

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