Um viajante
Quando era estudante universitário, colocava anúncios oferecendo aulas particulares de Língua Portuguesa, Literatura e Redação no jornal carioca chamado Balcão. Dessa época, tenho muitas histórias para contar. Às vezes, os pais contratam um professor à espera de um milagre: o filho quase reprovado, precisando de 10; eles, no desespero, na véspera da prova, chamam um professor. Muitos alunos só têm o título das matérias, porque pegou com um colega. Quando conseguimos levá-lo à recuperação, é um sucesso, porque há chances de ter mais uma ou duas aulas. Assim aumenta a possibilidade de aprová-lo. Cenas como esta ocorrem até hoje, principalmente com Matemática.
Nesse período, tive um aluno com a idade um pouco maior do que a minha. Marcamos as aulas na casa dele. Morávamos no mesmo bairro. No primeiro dia, ele perguntou:
– Qual a matéria que você mais gosta de pilotar?
– Não tenho preferência. Tanto o estudo da estrutura da língua, quanto a análise do discurso me agradam.
– Vamos de F5?
– Como?
– Rápido, direto ao assunto.
– Ah! Entendi.
– Sou piloto da aviação civil. O meu pai até hoje não se conforma, porque queria que eu entrasse pra a Aeronáutica. Sou instrutor de ultraleve. Mas já estou cansado disso. É muito incerto. Vim agora do Pará. Não aguentei ficar lá pilotando aqueles teco-tecos sem segurança nenhuma, pousando no meio do mato, carregando garimpeiro. Aquilo é loucura! Como fiquei sabendo que vai ter uma prova para selecionar piloto na Varig, resolvi aterrissar aqui para estudar para essa prova. Além da Gramática, vai ter Redação.
– E a Língua Estrangeira?
– Nessa, eu me garanto, domino bem o espaço aéreo do Inglês. Portanto, teacher, a sua manobra é uma só: me deixar pronto pra decolar em Português.
– Quando vai ser a prova?
– Um mês depois do edital.
– Quando vai sair o edital?
– Ainda não sei. Mas tenho informações seguras que será por agora. Essa notícia já foi espalhada pela torre de controle…
Talvez por termos quase a mesma idade e pela forma descontraída que as aulas transcorriam, tornamo-nos amigos. Mas um dia, ele me ligou e pediu para que eu fosse à casa dele em um horário que não seria de aula:
– Teacher, diante da turbulência que a aviação brasileira está atravessando, acho que não vai ter concurso nem pra Varig, nem pra Vasp. Esse voo vai ser cancelado. Já vendi o meu Passat. Peguei o dinheiro. Agora vou entrar em outro espaço aéreo. Já fiz meu plano de voo. Começarei pela Itália. Aqui em casa, a temperatura é sempre quente. Não consigo aturar essa cobrança do meu pai. Vou decolar. Por isso, te chamei aqui para agradecer e dizer que mudarei de rota, por causa do mal tempo. Comprei esse livro pra você.
– Que legal! Hermann Hesse! Obrigado! Quando você vai viajar?
– Amanhã…
– Quando voltar, me liga.
– Tudo bem! Vou te mostrar o meu diário de bordo.
Com o auxílio das redes sociais, esse amigo conseguiu o meu e-mail. E escreveu: “teacher, terei que fazer um pouso forçado no Rio. Gostaria de reencontrá-lo.”
Disse a ele que havia mudado de cidade. Por isso nos encontramos aqui:
– Teacher, o teu serviço de bordo está ótimo, você engordou bem!
– Por que você teve que fazer esse pouso forçado no Rio?
– Me ligaram pra dizer que meu pai estava com o ckeck-in pronto. E, que o voo dele já estava na última chamada. Mas antes de passar pelo portão de embarque queria me ver.
– E aí? Vocês fizeram as pazes…
– Nós conversamos. Ficou tudo bem. Mas o voo ainda não decolou. Quero que ele fique no overbooking. Mas se tiver que partir, que vá na 1ª classe.