Um violoncelo e duas gerações em diálogo
Se havia timidez, a turma soube bem disfarçar. Cinco jovens violoncelistas diante de um mestre do instrumento, o brasileiro Antonio Meneses. Desta vez, porém, não como alunos: como entrevistadores.
Meneses está completando 65 anos, 45 anos do primeiro lugar no Concurso de Munique e 40 do prêmio no Concurso Tchaikovsky. As duas vitórias lançaram uma carreira internacional que fez dele um dos maiores nomes do instrumento.
No começo de abril, o músico esteve em São Paulo para gravar com a Osesp na Sala São Paulo o Concerto nº 1 de Villa-Lobos. E, lá, aceitou dar uma entrevista diferente.
A pedido do Estadão, ele conversou com Aurea Diovana, Lucas Sampaio Martins e Enzo Figueroa, alunos de violoncelo da Escola de Música do Estado de São Paulo, e Breno Barone, da Academia da Osesp. A seguir, os principais trechos da conversa.
Aurea – Como surgiu o seu interesse pelo violoncelo?
Não surgiu! Foi meu pai que um dia chegou com o violoncelo e me deu. Ele já havia ensinado eu e meus irmãos a ler música. E depois me deu o instrumento, que ele escolheu.
Lucas – E foi amor à primeira vista?
De jeito nenhum. Vocês sabem como é chato começar a estudar um instrumento de cordas. Mas quando minha professora passou a me dar algumas musiquinhas para tocar, o interesse aumentou.
Lucas – E como é hoje a relação com o instrumento?
Uma briga constante. Você está sempre tentando resolver problemas, se perguntando o que fazer para determinada passagem soar bem. Outro dia, estudando o Villa-Lobos, estava com uma dificuldade em uma passagem, desafinava, não ficava do jeito que eu queria.
Breno – Isso vale para o repertório mais tradicional?
Eu tenho a sensação de que tinha mais facilidade para fazer algumas coisas quando era jovem. Eu tinha menos conhecimento, mas os dedos eram mais ágeis. Então você precisa ir encontrando soluções que te ajudem a melhorar. Um músico nunca para de estudar, de buscar novas soluções.
Aurea – E tem algum repertório que te agrade mais?
Sim e não. É sempre um prazer tocar os concertos de Dvorak, Schumann, as sonatas de Beethoven, Brahms. Mas aquele repertório menos tocado, quando você consegue fazer bem, te dá enorme prazer.
Enzo – Você ainda fica nervoso antes de tocar?
Isso faz parte. Não conheço ninguém que entre feliz da vida no palco, sem ansiedade. Mas isso varia de pessoa para pessoa. E do repertório. O segredo é você se sentir seguro com a obra, o que só vem com estudo. E, na hora de tocar, você precisa se liberar e pensar: o que acontecer, aconteceu.
Aurea – Como foi a decisão de ir estudar na Europa?
Eu era um garoto. E estava acostumado a fazer o que as pessoas me diziam para fazer. Eu vinha de uma família com um pai autoritário. Quando o violoncelista Antonio Janigro veio tocar no Rio de Janeiro, fiz uma apresentação para ele, estava com 15 para 16 anos. E surgiu a possibilidade de ser seu aluno na Alemanha. Minha professora negociou tudo, alguém arrumou a passagem. Cheguei na Alemanha sem falar um pingo de alemão.
Breno – E foi difícil?
Eu não tinha bolsa de estudos, tinha apenas o dinheiro que guardei na poupança quando tocava na orquestra no Teatro Municipal. Faltava também a iniciativa de ir tocar na rua, ganhar um trocado. Ficava em casa estudando o dia todo. Nunca passei fome, mas foi difícil. Quando ganhei o concurso em Munique, a primeira coisa que fiz foi comprar um casaco de frio. Até então, imagina, usava uns dez pulôveres, um em cima do outro, um xale velho de alguém.
Enzo – E qual a lembrança que o senhor tem do Concurso Tchaikovsky?
Isso foi em 1982, ainda a União Soviética. Eu lembro de sentir uma tristeza nas pessoas, uma falta de esperança, mas estava ali para estudar, para me preparar. Havia um músico russo que já tinha ficado com o segundo prêmio na edição anterior, então todos esperavam que ele ganhasse. E o júri era todo soviético! Mas ganhei. E depois de muito tempo fiquei sabendo que antes de dar o resultado, o governo soviético foi consultado para dizer se podiam dar o primeiro prêmio a um brasileiro!
Breno – O senhor chegou ao topo da carreira. Como permanecer nesse topo?
Tudo o que você fizer na vida vai depender do amor que tem pelas coisas. Vai depender disso. Tocar violoncelo sempre foi o que eu mais gostei de fazer. Enquanto eu puder tocar, vai ser o mais importante da minha vida. E esse amor me faz querer tocar bem. Eu não posso imaginar tocar mal.
Aurea – Você conquistou muito ainda na juventude Era só dedicação?
Nunca é só uma coisa. Eu tive sorte de poder desenvolver cedo o amor pela música. Meu pai era muito musical, tocava, cantava, ouvia discos. A primeira fez que ouvi as suítes de Bach foi com ele. Isso talvez tenha feito com que eu entendesse que precisava tocar, que fazer música era como precisar tomar água.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.