Uma joia entre montanhas: quem irá salvar o Acervo César Nunes?
A noite cai e, por trás de um portão de ferro, Márcio Nunes dá início a mais um dia de catalogação dos filmes de seu avô. A projeção acontece em sua garagem, local que há 28 anos abriga o acervo César Nunes. Precário, o espaço, que coloca em risco as produções, prevê uma reforma, já aprovada pelo Ministério da Cultura, através da Lei Rouanet. A grande pergunta agora é: quem salvará a ‘Joia entre montanhas’?
Umidade, poeira, falta de estrutura e verba. São esses alguns dos problemas que dificultam o trabalho de preservação das 460 latas que compõem os mais de 1.800 filmes do único acervo do interior do Estado, hoje sob os cuidados de Márcio Nunes, neto do pioneiro da cinematografia.
“Com a umidade o filme encolhe. Já tive que jogar alguns fora por causa disso, perda que poderia ter sido evitada. Infelizmente o acervo do Museu Nacional acabou por falta de preservação. Uso produtos químicos para fazer a limpeza dos filmes e fico imaginando: se pegou fogo lá, imagina se acontece o mesmo aqui?”, reflete Márcio.
Intitulado ‘Memória em Película: um registro das produções César Nunes’, o projeto aprovado pelo MinC inclui a reforma elétrica, a troca do piso e a instalação de um sistema anti-mofo no acervo. Marcus Alves, técnico da coordenação de documentos audiovisuais e cartográficos do Arquivo Nacional, ressalta a importância do investimento na preservação do material.
“Filmes devem ser guardados em locais com temperatura e umidade controladas. Aqui no Arquivo Nacional mantemos um sistema de climatização permanente, 24 horas por dia, com monitoramento constante. O cinejornalismo morreu na década de 80 suplantado pela evolução e dinamismo da televisão, mas esses registros em película não morrerão se soubermos dar o devido valor. Como os documentos escritos eles também contam nossa história”.
Marcus, que é também técnico da equipe de processamento de documentos audiovisuais, sonoros e musicais, explica que em 1989 o Arquivo adquiriu 758 latas do acervo César Nunes. Segundo ele, apesar de a joia ter nascido entre montanhas, não faltam filmes dos grandes acontecimentos do Brasil e do mundo na Revista da Tela, cinejornal desenvolvido por César.
“Temos reportagens memoráveis sobre as atividades cotidianas e sobre transformações urbanas ao longo das décadas, registros de posses de governadores e suas atividades políticas. São imagens em movimento, registros raros e valiosos que representam nossa memória”.
Datados de 1940 a 1985, os filmes englobam imagens da enchente de 1966 em Petrópolis, os bailes no Hotel Quitandinha, a inauguração do Obelisco e as corridas de carro na cidade. Como aponta Márcio, o projeto aprovado no Ministério da Cultura, orçado em R$ 259.851,60, também inclui a digitalização e a disponibilização das imagens num site, além da publicação de 1.500 cópias de um livro sobre a história que cerca as filmagens.
“Toda noite eu catalogo os filmes e discrimino quem aparece nas imagens. Só de Petrópolis são 520 vídeos. O negócio é preservar, disponibilizar o arquivo. São 90 horas de filme, mas digitalizado tenho apenas quatro. O que adianta ficar tudo isso guardado aí dentro?”, questiona.
Além das preciosidades eternizadas pelas lentes de César Nunes, o que também resiste ao tempo é a paixão da família Nunes pelas produções. E igualmente marcante nos filmes era a narração do jornalista, locutor e apresentador Cid Moreira. Ele relembra os mais de dez anos em que trabalhou ao lado do empreendedor.
“O César era muito simpático e amigo. Ver os vídeos daquela época é uma regressão mental. Acho que o que se destacava era o amor dele pela produção e as tomadas que ele fazia de Petrópolis. Na época das hortênsias ele sempre mostrava as plantas na estrada. Trabalhei mais de uma década nas produções César Nunes”, enfatiza Cid.
E é exatamente essa determinação e carinho pelas películas que move a esperança de Márcio de conquistar aquilo pelo que seu pai, Paulo Nunes, lutou até o fim: a disponibilização do conteúdo para pesquisa educacional e cultural para a comunidade petropolitana.
Vale lembrar que o patrocinador, por meio da Lei Rouanet, pode aplicar parte do Imposto de Renda devido em ações culturais. Enquanto para pessoas jurídicas o percentual é de 4%, o limite para pessoas físicas é de 6%.
Além disso, o financiador receberá 150 cópias do livro produzido e terá sua logomarca exibida em todos os produtos do projeto cultural: no site do acervo digitalizado; na capa, contracapa, folha de rosto e página com texto de apresentação do livro; releases, peças impressas e digitais de divulgação e nas exibições de filmes recuperados em sessões para o público em geral.
Interessados em saber mais detalhes sobre a iniciativa podem entrar em contato com o Márcio Nunes pelo telefone (24) 99328-3765.