Uma nova família na terceira idade: técnica de enfermagem adota idosa vítima de abandono familiar
Elas se conheceram há oito anos, em Carangola, cidade no interior de Minas Gerais, mas há quase um ano fazem parte da mesma família. A ideia de adoção normalmente nos faz pensar em bebês ou crianças, mas, infelizmente, o abandono familiar também é uma realidade para as pessoas adultas, principalmente idosas, como é o caso de Maria Ferreira Martins, a Dona Maria, de 60 anos, adotada pela técnica em enfermagem Maria Verônica Grossi.
A enfermeira de 34 anos conta que seu destino se cruzou com o de Dona Maria quando ela começou a trabalhar em um posto de saúde na zona rural conhecida como Conceição, em Carangola, Minas Gerais. Parte do seu trabalho consistia em realizar atendimentos domiciliares, devido à distância entre as casas da região, o que prejudicava o acesso de muitos idosos à unidade.
“Quando conheci dona Maria, ela tinha acabado de ficar viúva e morava com a filha e o genro na zona rural de Conceição. Desde a primeira vez eu percebi que algo estava errado, a filha mandava a mãe calar a boca quando algo escapava, como a proibição de ir aos médicos”, conta Verônica que, mesmo não sendo bem-vinda, manteve as visitas frequentes à casa da senhora. “Ela logo virou meu ‘xodozinho’ e a gente se aproximou mais ainda quando ela se mudou para a cidade, também com a filha, para uma casa, a uns 50 metros da minha”, disse ela. Como vizinhas, a aproximação e o carinho só aumentaram, conquistando também os outros familiares de Verônica.
Novos rumos
No dia 22 de dezembro do ano passado, Verônica se mudou para o centro da cidade, com o filho. Apenas cinco dias depois, ela suspeitou de que algo estivesse errado ao visitar sua mãe, que lhe perguntou sobre dona maria. Verônica se deu conta de que a senhora não aparecia há dias.
“Quando eu cheguei à casa dela, foi uma cena de terror. Os cachorros estavam amarrados com arame farpado na cerca. Eu chamei e chamei, percebi que a casa estava aberta e entrei. Estava tudo revirado e quando encontrei dona Maria, ela estava caída ao lado da cama. Eu achei que ela estava morta. Não sei como saí dali, mas fui até o meu pai para pedir o carro emprestado e, com ajuda da minha mãe, a levei para o hospital”.
Dona Maria deu entrada no hospital com desnutrição gravíssima, além de hipertensão. Verônica ficou com ela durante os dois meses e 10 dias de internação, e conta que procurou a filha da senhora pelo menos duas vezes, levando informações, inclusive sobre o diagnóstico de câncer no tórax, mas não era bem recebida.
“Ela perguntava da filha, mas eu arrumava desculpas para a falta de interesse da mesma, que disse que não ia visitá-la. Quando descobrimos o câncer, eu voltei para ela pedindo ajuda, e novamente ela não quis saber, disse que não cuidaria da mãe e pediu para parar de procurá-la. Meu mundo caiu, eu não sabia o que fazer”.
Mãe de um menino de 14 anos, Verônica conta que precisou rever seus planos e tomou uma decisão: “eu conversei com o Jhonatan sobre adotar a Dona Maria, porque ela não tinha para onde ir e eu não a deixaria sozinha. Ele me surpreendeu dizendo que me ajudaria a cuidar, e que tudo bem se tivesse que deixar o cursinho, porque os gastos iam aumentar”.
Foi a hora de contar para dona Maria, que ainda perguntava pela filha: “quando eu a convidei para morar comigo, ela agarrou minha mão e falou que não tinha dinheiro. Eu disse que não queria o dinheiro, que queria cuidar dela”. Após concordarem, junto à assistente social do hospital, Verônica deu entrada nos papéis que a tornava responsável pela idosa.“Fui na filha, dizendo que era a última vez, pedindo que fosse ao hospital assinar o documento. No dia seguinte ela estava lá, foi a primeira a assinar e a ir embora. Nunca mais apareceu”.
Vivendo juntas desde fevereiro, Verônica mantém os custos da casa de três quartos, do filho e do tratamento oncológico da dona Maria, com a ajuda de familiares e amigos da igreja, onde consegue doações de itens básicos, como roupas e fraldas, para a nova integrante da família.
“Hoje ela está linda, vive maravilhosamente bem, mesmo com o tratamento. Ela precisava de ajuda para levantar, fazia xixi na cama, mas hoje tem uma hortinha em casa com dois pés de couve, me fez adotar um cachorro da rua e é totalmente independente. Ela ainda fala da filha, conta o que ela passava, mas está visivelmente mais feliz. Ela é minha mãe e minha filha, e o que eu espero é que ela fique curada”.