‘Uma relação tão Delicada’ propõe um mergulho na fragilidade de mãe e filha
Na primeira cena, a mãe está com 90 anos e a filha, 60. Logo na cena seguinte, elas estão com 30 e 7 anos, respectivamente. “E o salto no tempo é mostrado apenas pelo trabalho corporal das atrizes, sem recursos de maquiagem ou figurino”, observa Rita Guedes, atriz e produtora da peça Uma Relação Tão Delicada, que iniciou temporada no Teatro UOL.
Rita vive os diversos momentos da trajetória de Charlotte, mulher divorciada e mãe de Jeanne, interpretada por Amanda Acosta, atriz renomada do teatro musical e que aqui diversifica seu talento. São apenas as duas em cena, uma decisão de Rita ao fazer a adaptação do original. “O texto da francesa Loleh Bellon é maravilhoso, completo – tanto que, mesmo escrito em 1984, continua atual”, comenta. “Mas preferi focar na relação entre mãe e filha. Os outros personagens aparecem em off.”
Rita também ambientou a história no tempo atual – no original, o momento presente é o final da 2.ª Guerra Mundial, quando as duas mulheres ainda sofrem as consequências por serem judias. “Mantive a essência, que também marca os tempos atuais, ou seja, o medo, a insegurança. A história tem um espelhamento entre a infância de Jeanne e a velhice de Charlotte. Elas demonstram diferenças na personalidade, apresentam incompreensões que geram conflitos, mas ambas habitam o mesmo solo, que é o amor.”
A peça propõe reflexões sobre o interior da relação entre mãe e filha, sobre o envelhecimento e sobre como o sentimento de amor vai se transformando ao longo dos anos. Assim, as idas e vindas no tempo servem para mostrar que a filha de hoje, que tanto recrimina as atitudes da mãe, será parecida com ela no futuro. No presente de seus diálogos, que trazem as memórias de uma vida conjunta, as épocas se confundem, se sucedem em desordem. Frente a frente estão agora Jeanne, mulher adulta, emancipada, que tem a sua própria família, enquanto Charlotte envelheceu e perdeu autonomia. É dessa forma que se encena a relação entre uma mãe (da fase adulta à velhice) e uma filha (da infância à fase adulta) unidas por um vínculo amoroso.
Prosa
“É um espelho cristalino sobre a relação parental”, acredita Amanda que, com uma sólida carreira no musical, agora se aventura no teatro de prosa. Não que ela já não praticasse entre uma canção e outra, como bem demonstrou em Bibi, Uma Vida em Musical, em que viveu Bibi Ferreira. Aliás, foi sua entrega ao papel que convenceu Rita a convidá-la para participar de Uma Relação Tão Delicada. “O sentimento entre elas é tão profundo, que precisa falar, verbalizar o que agora são as sombras da relação.”
A peça de Loleh Bellon, dramaturga que também era atriz e cineasta, morta em 1999 aos 74 anos, foi montada antes no Brasil, em 1989, com Irene Ravache e Regina Braga nos papéis principais. De grande êxito, a encenação foi vencedora dos prêmios Molière e Shell. Já na França, a obra ganhou o Grand Prix du Théâtre da Academia Francesa em 1988 e, recentemente, teve uma nova montagem em 2017.
“Assisti a essa montagem e, embora não me lembre de detalhes, ficou a forte impressão deixada pelas atrizes e pelo texto”, conta Rita que, desde então, nunca abandonou o projeto de realizar a sua produção. Precisou, porém, esperar o tempo passar. “Quando fui atrás dos direitos pela primeira vez, descobri que a autora não permitia que atrizes com menos de 44 anos encenassem os papéis – e eu não tinha essa idade.”
A imposição revelou-se acertada, pois a vivência ajuda a entender melhor a reação daquelas mulheres. “Como mãe, eu me vejo às vezes como Jeanne, às vezes como Charlotte”, conta Amanda. “As emoções que marcam as memórias de infância da filha, e que ainda se faz presente em sua vida adulta, são semelhantes às da mãe, que sente os mesmos temores que a filha com o passar dos anos.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.