Vá pular corda

29/10/2016 09:00

Os netos esperavam pelo meu presente do Dia das Crianças. A Lia tem 4, o Lucas 11 anos de idade. A generosidade familiar já lhes tinha dado coisas legais, dispendiosas, variadas. Vem a velha pergunta: o que dar, a quem tudo já tem? Antes vivera o dilema com Mariana, filha amada. Ela ganhava tudo, de todos. Eu olhava de soslaio, sem entrar na inconsciente disputa do presente bacana. Achava tudo caro e exagerado. Crianças, hoje em dia, ganham presentes demais. Acabam não dando valor, coisificam o brinquedo, depois, coisificam a vida. Exigentes, tudo à volta fica descartável. Brinquedos hoje, relacionamentos depois. Não vou expor aqui minha tese toda sobre isso. Mas recomendo a crônica “Coisificação do Brinquedo”, do meu livro “Enterrem meu Coração no Pátio da Escola”. Tem no meu blog, procure na internet. 

 Pra Mariana, eu gostava de presentes que provocassem criatividade. Às vezes, a criança se diverte mais com a embalagem do que com o conteúdo, porque no laço de fita ou com o papel, cria algo. Tampa de requeijão pode virar volante de avião. Pra Mariana, certa vez, cheia de bonecas louras da TV, resolvi dar um caminhão. Dos fuleiros, de 1,99. Ele virou casa, carro de bonecas, chapéu de soldado. Pro Lucas, certa vez, uma caixa de papelão. Depois de fazer um navio dentro da caixa, a recortamos, pintamos com guache, e ela virou armadura, com couraça, braçadeiras, protetores de perna e espada. Fizemos o presente. Interagimos com o presente, um com o outro e com todos que observavam a boa maluquice. De outra feita, outra caixa virou casa pra Lia. Eu e Lucas recortamos no jeito, telhado de duas águas, pintadinha, janelas e porta reforçadas. Linda. Ensinando que se as coisas podem ser mudadas, o mundo pode ser transformado. 

 Então, neste Dia das Crianças levei uma corda de loja de material de construção. Dentre todos os caros presentes que ganharam, a corda de seis reais foi o sucesso do fim de semana. Percebi: interatividade, de que tanto se fala, é pular corda. Lia tem tablet, Lucas, celular e videogame. Não são viciados, porque Mariana é mãe sábia no controle do tempo de tela, mas, claro, adoram. E com tela, é aquilo, o mergulho digital aprisiona. Pois tablets, celulares, games, ficaram esquecidos, frente à magia da interatividade da corda em que todos nos concentramos. Lucas exercitou piruetas. Lia, que não sabia pular, aos poucos saiu de um pulinho certo para dois pulinhos certos, até chegar ao recorde de quinze pulinhos certos! Cada etapa comemorada com vivas, festas, abraços e voos de avião em meus braços. Em dada altura, alguém atrapalhou, com a internet, onde devia ter músicas de pular corda. Tudo parou, à espera do achamento virtual. Cortei a armadilha e sugeri: a gente inventa. Improvisamos canções amalucadas no ritmo da corda. Não faltou atravessar a corda em movimento, não faltou entrar num lado e sair pelo outro, não faltou o foguinho ameaçador. Exausto até hoje, estou feliz de perceber a magia invencível da ancestral brincadeira. Aos invés do game ou do vídeo da Pepa ou da Mia, tente com seus filhos, com seus netos. 

 Em certos países, pular corda é até esporte sério, equipes de escolas disputando entre si, federações. Na locadora você acha filmes sobre isso. Podem ajudar a motivar a criançada. Mas eu não veria o filme, que é ato passivo, antes da experiência ativa de pular corda com as crianças. Vá. Esse voar não tem preço. Aliás, tem: só seis reais.

denilsoncdearaujo.blogspot.com

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