Vale do Cuiabá: seis anos depois, a tragédia é do abandono

11/09/2017 10:25

Dez famílias vivem numa comunidade de forma quase isolada na região do Vale do Cuiabá, em Itaipava. Os acessos e todo o ambiente na vizinhança foram destruídos pela enxurrada na tragédia de 2011. A área, considerada de alto risco, foi condenada pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), mas os moradores não pretendem deixar o local.

As casas ficam num terreno na localidade conhecida como Comunidade do Borges, a cerca de 40 minutos do Centro de Itaipava. De 21 imóveis, apenas dez sobraram depois da maior tragédia climática da história do país. Seis casas foram levadas pela enxurrada e desapareceram e outras cinco ficaram em ruínas. Em meio ao ambiente paradisíaco, a paz e a vontade de continuar vivendo no local é contrastada pelo medo e insegurança em dias de chuva. 

Jovelina de Jesus, de 54 anos mora há 33 anos na comunidade, e não pensa em deixar o local. “Todos nós moramos muito tempo aqui. Gostamos desse lugar. E não tem como sair daqui e perder o nosso emprego e as nossas coisas que construímos. Aqui plantamos, colhemos, trabalhamos, não queremos ficar sem isso tudo. Seria como ficar sem nossas vidas”, contou. A casa dela sofreu inundação em 2011 e, agora, seis anos depois, ela tenta reconstruir, mas as lembranças ainda estão na memória. “A gente vai fazendo devagar, cuidando das nossas vidas, mas é muito difícil porque nunca mais vamos esquecer daquele pesadelo”, contou.

O local fica bem no meio de um vale, entre grandes montanhas e corredeiras de água que descem da Serra dos Órgãos. O principal rio que corta a comunidade é o Cantagalo, responsável pelo grande volume de água que destruiu boa parte das casas da região. Depois da tragédia, o lugar ficou sem assistência, por conta da vulnerabilidade classificada como alto risco para desastres naturais. “Eles consideram aqui como lugar de muito risco, e por isso não fazem mais nada. Não tem mais iluminação pública, não tem estrutura viária, não tem mais nem mesmo ponte”, contou Renilda da Conceição, que também mora há 33 anos no local. A ponte à qual ela se refere foi levada pela água da chuva. Sem acesso, moradores construíram uma outra ponte, improvisada, mas que oferece risco aos que passam sobre ela. “Não dá para ficar se arriscando, mas é por ela que passamos há seis anos. As tábuas estão fracas, cedendo, e ela balança quando passamos. É terrível mas não tem jeito, precisamos dela para entrar e sair em casa, e não vamos sair daqui”, completou.

Renilda, que trabalha numa fazenda na região mais alta da comunidade, também não pensa em sair de casa. “Todas as casas estão condenadas por conta da localização. Mas a gente não pode sair daqui. Vamos perder o emprego, o nosso sustento, para receber o aluguel social e morar num lugar distante. Nós queremos a casa popular se for aqui, perto, no Vale do Cuiabá, que é o nosso bairro. Nossos filhos e netos foram criados aqui e vão viver aqui, porque eles gostam”, completou.

Boa parte de quem mora na comunidade trabalha em sítios, fazendas, haras e plantações próximas, que se reergueram depois da chuva catastrófica. Mas, apesar de toda a tranquilidade e calmaria que o ambiente passa, o medo ainda impera em dias de verão. “Agora que começa a esquentar nossas preocupações voltam. São noites em claro e tardes em alerta. Cada nuvem escura, cada trovoada, nos deixa em alerta máximo. De olho em todos os lados. Aqui nós vivemos prontos para fugir a qualquer momento. Esse é o lado ruim. A gente não relaxa mais. Não consegue mais ficar sem se preocupar”, contou Jovelina. 

Cada detalhe da madrugada de 11 de janeiro de 2011 permanece na memória dos habitantes da vila. “Eu lembro de tudo. Estava deitada. Chovia muito, eram muitas trovoadas e ventania. Meu marido dormia quando passou um rapaz gritando dizendo que o rio tinha transbordado. Não acreditei. Nunca tinha acontecido nada disso. Até que abri a porta e vi a água aos meus pés. Só deu tempo de correr. Correr muito. Subir o morro com a roupa do corpo sem mais nada na mão. Nem documento. Tivemos parentes que perderam tudo. Tudo mesmo. Inclusive as roupas que estavam vestindo, que se rasgaram e ficaram para trás”, contou Renilda. 

Naquele episódio, 15 famílias ficaram desabrigadas somente na vila. Uma delas conseguiu ser indenizada pelo Instituto Estadual do Ambiente e se mudou. Outra recebeu uma unidade habitacional num conjunto construído meses depois, no próprio Vale do Cuiabá. Do restante, algumas pessoas saíram e passaram a receber o aluguel social, e outras decidiram continuar no local. “Alguns daqui receberam por um tempo mas não tinham condições de continuar porque não podiam ficar longe daqui, sem trabalhar”, completou Jovelina. Até hoje os acessos ao local não foram reconstruídos, apenas foi reestabelecido.



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