Venezuela tem apagão geral no mesmo dia em que opositor pode ser alvo de mandado de prisão

30/ago 16:44
Por Redação, O Estado de S. Paulo / Estadão

Os venezuelanos acordaram nesta sexta-feira, 30, com uma grande queda de energia na capital, Caracas, e em praticamente todos os demais Estados. A ditadura de Nicolás Maduro atribuiu o problema à sabotagem elétrica. A oposição e especialistas, no entanto, apontam corrupção e má administração. Não se sabe como o problema deve afetar a convocação para que Edmundo González Urrutia compareça ao Ministério Público sob risco de prisão.

“Houve uma sabotagem elétrica na Venezuela, uma sabotagem contra o sistema elétrico nacional, que afetou quase todo o território nacional. Os 24 estados informam perda total ou parcial do fornecimento elétrico”, disse o ministro das Comunicações, Freddy Ñáñez, ao canal estatal VTV.

A interrupção ocorreu às 04h40 horário local (03h40 no horário de Brasília). Muitas ruas de Caracas estavam desertas no início da manhã, observou a AFP. No início dessa tarde, a energia começou a ser restabelecida em alguns setores de Caracas, segundo o ministro do Interior recém-indicado Diosdado Cabello.

“Todos os serviços estão sendo revisados”, disse Cabello ao canal estatal VTV. “Já começa a se energizar a rede e alguns setores daqui de Caracas começam a receber energia elétrica. É um processo que vai ocorrendo pouco a pouco, mas é um processo que está sendo feito com segurança para não cair em erros”, ressaltou.

No gigantesco bairro de Petare, por exemplo, havia luz no meio da manhã, embora em outros setores o apagão continuasse. Já em algumas áreas como Chacao, de classe média, o retorno da eletricidade durou apenas alguns minutos.

Os apagões têm sido frequentes na Venezuela há uma década, conforme o país aprofundava a sua crise econômica e política. O pior deles ocorreu em março de 2019, durante um período de agitação política, quando a Venezuela sofreu com cortes de energia regulares que o regime quase sempre atribuiu a seus oponentes, mas que especialistas em energia disseram ser resultado de incêndios florestais que danificaram linhas de transmissão e da má manutenção da infraestrutura hidrelétrica do país.

Regiões do oeste do país, como Táchira e Zulia, que já foram a capital do petróleo, sofrem cortes diários de energia.

Muitos dos problemas de energia diminuíram à medida que a economia do país sul-americano se estabilizou – embora em patamares ainda muito críticos -, a alta inflação diminuiu e uma dolarização de fato reduziu a escassez de produtos importados.

Ainda assim, após a eleição presidencial contestada do mês passado, o regime é rápido em culpar os oponentes até mesmo por pequenas interrupções. Esse foi o caso na terça-feira, 27, quando um apagão afetou Caracas e vários Estados centrais.

“Esta é uma estratégia constante da oposição, dos inimigos deste país, para impactar a população”, disse Diosdado Cabello, que é considerado o segundo homem mais poderoso do país.

Maduro normalmente atribui essas falhas a planos orquestrados pelos Estados Unidos e pela oposição para derrubá-lo. No entanto, líderes opositores e especialistas que não concordam com a teoria das sabotagens responsabilizam o governo por falta de investimento, incompetência e corrupção.

Os moradores da capital estavam levando a interrupção desta sexta com tranquilidade. O trânsito durante o horário de pico normalmente movimentado estava mais leve do que o normal e algumas pessoas reclamaram de não conseguir se comunicar com familiares devido à falta de serviço de celular.

Alejandra Martinez, uma vendedora de 25 anos, disse que notou que a energia acabou quando um ventilador parou de funcionar. “Achei que a energia voltaria e voltei a dormir”, disse ela enquanto tentava pegar um ônibus para o trabalho quando amanheceu em Caracas. “Mas quando acordei, percebi que era uma queda de energia.”

A rede elétrica da Venezuela depende muito da Barragem de Guri, uma gigantesca usina hidrelétrica que foi inaugurada no final da década de 1960. O sistema elétrico tem sido sobrecarregado pela má manutenção, pela falta de fontes alternativas de energia e pela drenagem de talentos de engenharia, já que cerca de 8 milhões de migrantes venezuelanos fugiram da miséria econômica nos últimos anos.

Segundo o jornal Efecto Cocuyo, de inclinação opositora, no interior o apagão elétrico foi sentido com filas em postos de gasolina, hospitais que atendiam apenas emergências e pessoas que frequentavam aos comércios com energia reserva.

Candidato da oposição convocado

O apagão ocorre no mesmo dia em que o candidato opositor González Urrutia, que completou 75 anos na última quinta, foi citado pelo Ministério Público, que abriu uma investigação criminal contra ele. É a terceira citação, depois que ignorou outras duas. O não cumprimento desta medida acarretaria a emissão de um mandado de prisão. Não está claro como fica o procedimento em meio ao apagão nacional.

A oposição publicou em um site cópias de mais de 80% das atas de votação que a mostram vencedora, que é o foco da citação. Por causa disso, o MP investiga González Urrutia por suposta usurpação de funções e falsificação de documento público. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) ainda não publicou os detalhes do escrutínio mesa a mesa, conforme exigido por lei.

Esses crimes teoricamente acarretam pena máxima de 30 anos de prisão. Não foi especificado em qual qualidade González foi convocado: acusado, testemunha ou especialista, de acordo com a lei venezuelana.

Mas alertou que “se não comparecer perante esta repartição fiscal na referida data será considerado” em “risco de fuga” e “perigo de obstrução, portanto será processado o correspondente mandado de apreensão”.

González não se pronunciou, embora já tenha chamado o procurador-geral, Tarek William Saab, de “acusador político” que o submeteria a um processo “sem garantias de independência e do devido processo”.

A oposição Plataforma Unitária Democrática (PUD) denunciou uma perseguição política e negou que a publicação das atas no site estivesse a cargo de González Urrutia. “De qualquer forma, não representa crime”.

Juristas classificaram o procedimento como irregular.

Maduro pediu prisão para González e Machado. Ele também os responsabiliza pelos atos de violência nos protestos pós-eleitorais, que deixaram 27 mortos – incluindo dois militares -, quase 200 feridos e mais de 2.400 detidos, uma centena deles menores, embora 16 adolescentes tenham sido libertados e colocados em liberdade condicional na quinta-feira./AP e AFP

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