‘Vermiglio’ opta pela ternura, com desfecho tocante

23/out 07:01
Por Luiz Zanin Oricchio, especial para o Estadão / Estadão

A exibição do filme Vermiglio, de Maura Delpero, no sábado, dentro da Mostra de Cinema de São Paulo, foi um acontecimento na Cinemateca. Filas enormes para encher a sala maior, que foi montada no espaço aberto, todos interessados em ver o que seria esse tal de Vermiglio, nome de um paese alpino, situado no Alto Trentino. Lá se desenrola um drama familiar ambientado no final da 2ª Guerra. O pater famílias (Tommaso Ragno, genial) é o mestre-escola local, pai de sete filhos e filhas, uma figura eminente na pequena comunidade.

A história caminha aos poucos, nos ambientando nas relações familiares, que comportam filhos e filhas de idades muito diferentes entre si. A diretora Maura Delpero opta por uma câmera de observação que, sem pressa, vai nos introduzindo na intimidade daquela família e da pequena comunidade, esboçando personagens, relações entre elas, rivalidades, hábitos, etc. Quase documental, às vezes.

O drama central envolve um enlace aparentemente feliz – o de uma das filhas, Lúcia, e Pietro, um desertor siciliano que chega por lá, transtornando um pouco a quietude do povoado. A união sofre uma interrupção que parece temporária, quando Pietro precisa viajar à Sicília e deixa a mulher, grávida, em Vermiglio.

Achei o desfecho (que não agradou a muita gente, mulheres em geral) tocante. Envolve a questão da maternidade. Me pareceu o exato contrário do impiedoso Banho do Diabo (Áustria), que parece pesado como uma carga de chumbo. Vermiglio, pelo contrário, não facilita nada, mas opta pela ternura. Acena com um raiozinho de sol, aquele mesmo que os produtores de Fellini imploravam ao mestre para o desfecho de suas obras. Maura Delpero não nos deixa sem um tanto de calor humano como despedida.

Vermiglio ganhou o Grande Prêmio do Júri (Leão de Prata) no Festival de Veneza e é indicado pela Itália para disputar uma das vagas no Oscar de filme internacional.

DOCUMENTÁRIO

Dahomey, de Mati Diop, é um documentário muito rigoroso, sem perder jamais a veia inventiva. Em novembro de 2021, 26 relíquias do Reino do Daomé deixam Paris e são devolvidas ao seu país de origem, a atual República do Benin.

O filme segue o percurso das obras sendo cuidadosamente embaladas na França, até chegarem ao destino final, quando são instaladas num espaço próprio e devolvidas ao seu povo de origem. O significado dessa devolução é evidente num tempo em que se questionam, cada vez mais, os resquícios do colonialismo predador, sobretudo dos países europeus sobre as antigas colônias africanas.

O curioso do filme é “dar voz” às próprias obras, que comentam sua volta ao país e sua cultura de origem. No limite, será o seu diferencial.

Mas também curiosa – e eficiente – é a discussão do significado dessa devolução por um grupo de jovens universitários do Benin. Todos e todas parecem bem equipados para a discussão. E a discordância torna-se a tônica da conversa.

Muitos acham que a devolução tem apenas um caráter simbólico e é irrisória – das, calcula-se, cerca de 7 mil obras sequestradas ao longo do período de colonização, apenas 26 estavam regressando à terra de origem.

Outros entendem que esse simbolismo não deixa de ter sua importância, uma espécie de primeiro passo de reconhecimento do crime colonial.

Mas há quem destaque que tudo é apenas um gesto político de Emmanuel Macron, o presidente francês, para se passar por homem civilizado num momento de instabilidade política na França.

Enfim, há o debate de sempre entre os que tudo querem de imediato e os que ressaltam a importância de dar os primeiros passos de um processo que, sim, será longo e pouco linear.

Também é interessante que esses estudantes da Universidade de Abomey-Calavi discutam o tema em francês, idioma imposto pelo antigo colonizador, o mesmo que está devolvendo essa pequena parcela de obras roubadas. “Fomos sequestrados até mesmo em nossas línguas de origem; falo em francês, mas não sou francesa”, diz uma moça a quem a contradição não escapa.

E o que teriam as próprias obras a dizer sobre assunto tão controverso? É bom ouvir o que elas têm a dizer.

Dahomey venceu o Urso de Ouro, prêmio principal do Festival de Berlim.

PRÓXIMAS SESSÕES:

Vermiglio

5ª (24), às 19h50

Cinesystem Frei Caneca 2

Dahomey

5ª (24), às 17h

Cinesystem Frei Caneca 3

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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