Vik Muniz usa dinheiro para retratar o País marcado pela ganância

14/03/2023 08:01
Por Matheus Lopes Quirino / Estadão

“Eu adoro dinheiro.” Vik Muniz repete esta frase pelo menos três vezes durante conversa na Galeria Nara Roesler, em São Paulo, onde está sua nova exposição Dinheiro Vivo, aberta no último dia 4. Conhecido por seus retratos feitos com materiais incomuns na pintura, como chocolate e açúcar, o artista se debruça em uma nova matéria, tão viciante quanto doces: papel-moeda – só que picotado.

Tudo começou em meados de 2018, quando o artista foi até os escombros que sobraram do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que havia sofrido um incêndio de grandes proporções naquele ano. “Aconteceu uma coisa inédita na história da arqueologia, que levou os profissionais a fazer uma expedição pela poeira do próprio museu”, conta ao Estadão. Aquele processo de escavar a destruição de uma das instituições de preservação mais antigas do País fez com que Muniz recriasse algumas obras a partir de fragmentos originais que achou – como o esqueleto da múmia Luzia, uma das mais conhecidas, reproduzida pelo artista a partir das cinzas encontradas do original que se queimou. No ano seguinte, 2019, o material ressignificado foi exposto ao público no Museu da Casa da Moeda, que poderia fechar as portas.

TRABALHADORES

Reconhecido pelo trabalho social feito com os moradores do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, no Rio, que em 2010 tinha um dos maiores aterros do mundo, o artista é figura central no documentário Lixo Extraordinário, uma coprodução anglo-brasileira que levou prêmios nos festivais de Sundance e Berlim e foi indicada para o Oscar de Melhor Documentário. Quase dez anos depois de seu trabalho correr as salas de cinema pelo mundo, Muniz novamente entrava em contato com trabalhadores que lidavam com lixo: os responsáveis por reciclar todo o dinheiro inutilizado pela Casa da Moeda. Depois da exposição com as peças do Museu Nacional, ele foi convidado para conhecer o lugar onde é impresso o dinheiro nacional.

Encantou-se com o processo de impressão do dinheiro. Ao final da visita, recebeu um saquinho com notas picotadas, descartadas pelo Tesouro Nacional, e sugeriu: “Podem mandar o que sobrar para o ateliê”. Chegaram sacos de dinheiro picado. Lá estava a matéria-prima da nova mostra. Dinheiro Vivo fica em cartaz até o dia 22 de abril.

MATÉRIA

Quando um sujeito diz que adora dinheiro, a ganância quase sempre está presente, mas no caso de Muniz esse apreço pelo papel é que fala mais alto.

“Eu não tenho problema com dinheiro. Não sou um ideólogo nesse sentido, acho dinheiro uma coisa fascinante, fantástica”, conta o artista. “Ele é um meio de comunicação, como a fotografia, o rádio, faz uma ponte entre o mundo físico e o mundo mental.” E é, também, acrescenta, “um objeto que se espalha imantado em poder”. Não passa de mão em mão despercebido, outro motivo que o levou a bolar as figuras com animais em extinção, como o mico-leão-dourado (figura abaixo), feito a partir de fragmentos da nota de R$ 20. E é aí que entra o poder simbólico do dinheiro: atrair holofotes. Impedir a destruição que ele mesmo pode causar.

MONTAGEM

Dividida em dois eixos, a exposição conta com um primeiro conjunto composto por animais que estampam as cédulas brasileiras. Já no segundo, são paisagens inspiradas em obras de pintores naturalistas, como o francês Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) e o alemão Rugendas (1802-1858), que documentaram a fauna e a flora brasileiras durante o Brasil Império.

“Quando a gente pinta uma árvore com lápis, ou, no meu caso, cria uma a partir de recortes de papel-moeda, está representando a figura de uma árvore viva por meio de uma árvore morta. Mas elas partiram da mesma matéria-prima, com o que sobrou da floresta que ali existiu”, reflete.

MEMÓRIA

Foi durante a pandemia de covid-19 que o artista começou a criar as obras, confinado, no início, em sua casa no Rio de Janeiro. Lembrar dessa dura fase da emergência sanitária levou Muniz a doloridas memórias. Ele lembra do amigo Paulo Gustavo (1978-2021), ator que morreu em decorrência de complicações da doença. “Eu era muito amigo do Paulo, ele estava doido pra ir aos Estados Unidos. Eu o ajudei a olhar um apartamento (em Nova York). Ele tinha muito medo de asfixia. O Paulo tinha medo de morrer, tinha medo de cemitério.”

A essa altura, ele sugeriu irem também para os EUA, por conta do adiantamento da vacina anticovid em território americano – afinal, os bebês (filhos do Paulo Gustavo) já estavam grandes. “Então liguei pro Thales (viúvo do ator) e falei pra eles irem pros EUA junto com a minha família”, conta Muniz. “Por causa das crianças, que nasceram em Los Angeles, eles poderiam tomar a vacina nos EUA. Mas o visto do Paulo estava vencido. Então, no aniversário do Thales, eles pegaram. A gente (Muniz e família) acabou indo antes pros EUA. Poderia ter sido eu no lugar dele.”

Vik Muniz: Dinheiro Vivo

Galeria Nara Roesler

Av. Europa, 655, tel. 2039-5454.

De 2ª a 6ª, das 10h às 19h.

Sáb., das 11h às 15h.

Gratuito. Até 22/4.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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