Violência de gangues no Haiti contribui para disseminação de surto de cólera
A cólera voltou ao Haiti depois de três anos sem nenhum caso registrado. Segundo as autoridades, pelo menos sete pessoas morreram da doença nos últimos dias e o risco de um surto é alto, devido à ausência de poder do Estado no país. Cada vez mais, gangues têm controlado territórios do país e dificultado o acesso a água, hospitais e combustível.
O Ministério da Saúde do Haiti informou no domingo, 2, que “múltiplos casos” suspeitos foram detectados na capital, Porto Príncipe, e em Cité Soleil, a maior favela da capital. Isso trouxe à memória dos haitianos a epidemia que se instalou no país após o terremoto de 2010 e causou 10 mil mortes. “A maioria das vítimas morreram em suas comunidades e não puderam ir a hospitais”, disse o diretor-geral do ministério, Laure Adrien.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), as unidades hospitalares relataram um aumento da diarreia aguda grave entre adultos e crianças hospitalizadas na capital. Pelo menos mais uma morte também é investigada por cólera.
O retorno da doença acontece no momento em que a nação caribenha enfrenta uma confluência de crises humanitárias e políticas, deixando milhares de pessoas com o risco de infecção e ameaçando uma resposta rápida. Gangues reforçaram o controle em várias partes do país e há casos em que bloqueiam o fluxo de ajuda humanitária de urgência e outros suprimentos. O acesso ao principal terminal de combustível da capital esteve bloqueado durante várias semanas e empresas e hospitais tiveram que reduzir o horário de funcionamento ou fechar completamente.
A escassez de combustível obrigou pelo menos um grande distribuidor de água a fechar e, segundo a agência de saneamento do Haiti, dificulta que as bombas de água da cidade funcionem, já que precisam de combustível para funcionar. Caminhões de água foram impedidos pelas gangues de abastecer alguns bairros.
Esses fatores dificultam o controle da cólera, que se espalha principalmente quando as pessoas ingerem alimentos ou água contaminados com a bactéria. A doença é extremamente virulenta e se não tratada pode matar pessoas em poucas horas. “Muitas pessoas morrerão se medidas efetivas não forem tomadas”, disse Etzer Emile, economista no Haiti.
Durante várias semanas, milhares de haitianos tomaram as ruas e realizaram protestos contra o primeiro-ministro interino do país, Ariel Henry, e o aumento do preço dos combustíveis, em dimensões que não eram vistas há anos. Saques a lojas, escolas e armazéns humanitários foram registrados. Um líder regional descreveu a agitação social como “uma guerra civil de baixa intensidade”.
A maioria dos casos suspeitos, segundo a Opas, estão em Cité Soleil, a maior favela de Porto Príncipe e onde centenas de pessoas foram mortas e milhares ficaram cerceadas, sem comida ou água, por confrontos violentos entre gangues. “Você está em um país sem lei. Ninguém está no comando. É a gangue que está no comando”, disse a vice-presidente da Associação de Estudos Haitianos, Cécile Accilien.
A crise social e a confirmação dos casos de cólera levaram ao adiamento das aulas escolares em Porto Príncipe, que retornariam nesta segunda-feira, 3. Crianças foram vistas nas ruas da cidade carregando baldes d’água para casa e protestos pelo adiamento das aulas também foram realizados.
O primeiro caso de cólera no Haiti foi registrado em outubro de 2010, meses depois do terremoto que destruiu o país e matou mais de 300 mil pessoas. A doença foi introduzida por um contingente de pacificadores da ONU que tinham concluído há pouco tempo um treinamento em Katmandu, Nepal, que sofria com a cólera na época. Mais de 800 mil haitianos foram infectados.
Em 2016, após anos de perguntas sobre a responsabilidade pelo surto de cólera, o então secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, disse que o órgão estava “profundamente arrependido” do papel. “Isso lançou uma sombra sobre a relação entre as Nações Unidas e o povo do Haiti”, disse ele. “É uma mancha na reputação da manutenção da paz das Nações Unidas e da organização em todo o mundo.”
Muitos críticos argumentam que as Nações Unidas não fizeram o suficiente para compensar as vítimas. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)