Você conhece a minha mulher

30/10/2022 08:00
Por Ataualpa Filho

Você conhece a minha mulher?

Tenho um amigo 100% do Bem. Não fuma, não bebe, trata a sogra carinhosamente a ponto de ser considerado um filho por ela. O sogro também se orgulha do genro, é só elogios.

 A paciência dele realmente impressiona: não altera a voz, é sempre mansa. Tem uma discrição invejável. Em síntese, é um “gentleman”. Mas, para manter essa mansidão, arrumou um jeito de resolver impasses com uma frase mágica: “você conhece a minha mulher?”

 Em hotéis, restaurantes, nos ambientes em que os serviços são cobrados, mas os atendimentos são péssimos, a citada frase funciona. Já o livrou de aborrecimentos. Ninguém até agora pagou para conhecê-la. Sempre arrumam um “jeitinho”. 

É verdade que, em determinadas ocasiões, faz-se necessária uma postura mais rígida para que sejam respeitadas as cláusulas referentes aos serviços que pagamos. O descaso irrita. Ser mal atendido é desagradável. Mas, nessas horas é preciso ter paciência e diplomacia para não transformar as reivindicações em agressividades. Até a exigência dos direitos requer respeito. A estupidez não se justifica. A gentileza deve prevalecer sempre.

Não tenho afinidade com quem ofende, humilha pessoas que trabalham em empresas que deixam os funcionários expostos às reclamações de clientes. Eles não são culpados da incompetência hierárquica. Não há como despejar toda ira em quem não é responsável pelo problema que motivou a reclamação.

Mas voltando ao caso da mulher do amigo, quero lhe dizer que ele criou um personagem com estereótipos que, às vezes, assustam. Conheço a esposa dele. Não é nenhuma “megera indomável”. Ressalto aqui a amizade fraterna que temos. Mas, como você sabe, existe aquele problema do “pisar o calo”. E, no calor das reações impulsivas, o que parecia impossível salta. Contudo, temos que aprender a controlar o nosso humor para não ferir ninguém.

O episódio que vou lhe contar é bem típico das reações impulsivas. Desde já, afirmo que pedi licença para relatar o milagre, mas sem revelar o nome dos santos envolvidos. 

Para quem gosta de reunir os amigos, as restrições pandêmicas foram torturantes. Quando tais restrições foram amenizadas pela compreensão dos que se vacinaram por valorizar a vida, a Ciência e o bem comum, o encanamento do banheiro do apartamento do amigo a que me refiro estourou. 

Ele contratou uma empresa para mexer na tubulação. Tal empresa pediu três semanas para efetuar o serviço.  Ficaram, portanto, uns 20 dias sem usar o banheiro. Isso só foi possível, porque havia, no prédio em que moram, um apartamento vazio que estava para alugar. Conversaram com o proprietário que o alugou nesse período para uso do banheiro.

A poeira, o barulho colaboravam para o aumento da ansiedade. A linda cadelinha que adotaram também ficou bastante agitada. O desejo de ver a obra concluída era grande. Só que, na tarde da sexta-feira da última semana, na colocação do vidro temperado do box, a porta estilhaçou. O estouro foi enorme. A cadelinha começou a latir. A amiga ficou no sofá tentando aclamá-la com uma exclamação na cabeça: “não acredito!”

Não foi ao banheiro para ver o que aconteceu. Os rapazes responsáveis pela colocação do box e instalação do chuveiro juntaram os cacos, ligaram para empresa notificando o fato. O gerente ligou para o marido dela que estava no trabalho. Narrou o ocorrido. Ele, com paciência monástica, fez a seguinte pergunta:

– Como está a minha mulher?

– Acho que tá bem. Não falou nada com o pessoal que tá lá trabalhando…

– Esse é o problema! Não queira vê-la nervosa…

Ao término da ligação, o gerente recebeu uma mensagem pelo aplicativo: “a madame aqui escondeu a chave da porta. Estamos trancados. Não dá nem pra jogar o lixo fora. O que a gente faz?”

A reposta veio por áudio: “cara, não deixa essa mulher ficar nervosa, quando ela roda a baiana, é o cão chupando manga. Vou aqui falar com o marido dela. Dá um tempo aí…”

O áudio vazou! Ela ouviu e quebrou o silêncio:

– Fala pro teu chefe que hoje vou tomar banho no meu banheiro. Ele prometeu entregar essa obra hoje. Vocês só vão sair daqui quando esse banheiro ficar pronto…

Enquanto falava, o celular dela tocou. Olhou e viu que era o marido. Atendeu e falou para que todos ouvissem:

– Diga pro moço aí que eu não vou rodar só a baiana, vou rodar a paraibana, a pernambucana, as nordestinas todas se esse banheiro não ficar pronto hoje.

O marido fez a mediação. Não havia como colocar a porta do box, pois precisaria de um outro vidro. Porém, fariam a ligação do chuveiro para que ela pudesse, ao menos, tomar banho quente. Os rapazes fizeram hora extra… 

Depois de tudo calmo, ela não lembrava onde tinha colocado a chave da porta. Os rapazes ficaram um tempo esperando, passando mensagem pelo aplicativo para o gerente que tentava acalmá-los.

Ela escondeu a chave na gaveta dos talheres.  Quando ouvi esse desfecho, apenas exclamei: – que perigo!

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